Não há nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esqueda, sobre Carlos Latuff e Idelber Avelar

tumblr_inline_ng4qziMJ8r1qgx5ilTempos onde a naturalização do machismo se expressa e é defendida com tanta veemência, são bem difíceis.

São tempos que um macho de esquerda publica uma foto claramente objetificada sobre ’marquinhas de biquinis’, reforçando estereótipos do corpo feminino como produto de consumo masculino.

São tempos que este mesmo macho de esquerda tenta deslegitimar um movimento, porque foi apontando, questionado e acusado de proferir ideais machistas.

São tempos onde aquele macho de esquerda esquece de que assédios, abusos, agressões e violências por parte de homens heterossexuais, são absolutamente comuns, e a partir disso, tenta garantir a defesa de outro macho abusador, que ocupa altas posições de poder, ignorando toda a relação injusta que vítimas e acusado ocupam.

São tempos onde um abusador tenta se esconder atrás de uma carreira profissional de alto prestígio social e usa covardemente seu poder para sugerir que um macho com 29 anos de magistério, centenas de ex-alunas, dezenas de ex-orientandas já professoras e ZERO reclamações formais por seu comportamento com mulheres dentro de sala de aula ou na universidade, está imune de cometer abusos e violências machistas.

10353711_850456851643545_3063212563466139509_nSão tempos onde a heterossexualidade não é devidamente problematizada pela dita esquerda como um regime político. Onde os desejos heterossexistas não são vistos como uma produção moderna e científica baseada em estudos que tem localização política controversa ou hegemônica, claramente comprometidas com o sistema capitalista e a opressão misógina.

São tempos que o tal macho de esquerda desenha a incapacidade de materializar o machismo nos sujeitos que mais se beneficiam dele, pq para ele ir contra o machismo nada tem a ver com ir contra os homens que o reproduzem.

São tempos que conversas seguem o norte e os interesses de alguém que usa seus privilégios sociais e sua retórica politicamente correta para explorar a fragilidade de mulheres usando o jargão ‘consensualidade’, reduzindo e mascarando sua prática machista e abusadora.

São tempos onde termos como misandria, racismo reverso, heterofobia e preconceito contra ricos, ganham forma para não se voltar ao questionamento à quem exerce o poder e minar qualquer debate com a jocosa apelação de discurso de ódio contra quem explora.

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Latuff nunca se aproximou tanto de Kátia Abreu, PT e do Estado que ele tanto crítica.
Idelber tenta intimidar as vítimas com ameaças jurídicas e penais na justiça patriarcal, feita e executada por homens.
E o Feminismo segue firme em acusar, denunciar e desmascarar estes escrotos.

Na madrugada do último domingo o cartunista fez uma retratação. Porém, a charge que deslegitima o feminismo radical ainda continua em sua página, bem como o post sobre marquinhas de biquínis e seu apoio a Idelber. É claro que retratações e recuos podem ser uma expressão de sensibilidade, autocrítica e arrependimento por atitudes equivocadas, mas considerando o machismo no âmbito das relações de poder, não se pode negar sua dimensão estratégica, de, ao assumir o erro, recuperar o prestígio abalado e continuar sendo reconhecido como aliado do feminismo.

1891404_446496092155680_4763055562657587360_oComo muito bem disse, Natália Leon, O machismo não está aí pra ser desculpado, mas pra ser denunciado. Enquanto as pessoas parabenizam-no pela sua atitude e compartilham suas desculpas devolvendo-lhe a confiança outrora ameaçada, nós cremos que nenhuma desculpa atenua ou sara a dor de uma violência cometida. E antes que nos acusem de insensíveis, rancorosas ou vingativas, afirmamos que a questão é sobre a responsabilidade de suas ações e estas não serão menos graves devido a uma retratação tão sutil. O machismo naturalizado deste homem pede uma posição sensata e não a ingenuidade de repositar imediatamente uma confiança. Por já ter sido vítimas, estamos na defensiva em constante alerta.

De toda forma, este episódio serviu para deixar as nojeiras e os jogos de manipulação e dominação bem explícitos. Suas posturas infelizes já mancharam suas vitrines políticas para muitos setores e correntes que leva esta luta e este movimento a sério, e isto, a longo prazo, trará muitos resultados.

 

 

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
Sobre as vítimas e os nossos desafios – Passa Palavra
Caso Idelber: Não é do campo judiciário ou moral, mas ético e político – Revista Fórim
Solidariedade total às vítimas; Autodefesa frente ao algoz machista; Desconstrução cotidiana dos machismos! – Mães de Maio

Seis explicações contra os argumentos machistas que defendem a Hooters

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Diante da repercussão da posição da ARCA sobre a chegada da rede internacional de restaurantes Hooters e da incompreensão por parte de algumas pessoas do que isso representa, resolvemos abordar alguns pontos do debate, só que dessa vez, de forma mais pedagógica, levando em consideração os argumentos mais repetitivos desta historia toda.

Nosso objetivo é que a discussão continue a fluir, de forma a aprofundar a compreensão sobre a lógica violenta na qual se estruturam as nossas cidades. O texto objetivo e pontual de outrora com certeza trouxe muitos desconfortos, não apenas por uma possível falta de habilidade nossa, mas também pela profunda naturalização do machismo presente na sociedade e pelo insistente reforço em querer assegurar, de acordo com a lógica capitalista, o corpo da mulher enquanto mercadoria.

Solicitamos aos leitores maior abertura para ler o que se segue. A missão de se compreender uma mensagem depende em muito da boa vontade de quem a lê.

{02d29c0b-c651-4024-b28f-d76a75f24ad4}_dsc_00021 – O que tudo isso tem a ver com a “revitalização da cidade” e porque o Estado tem sim responsabilidade sobre isso? Além de acharmos, por si só, a existência do restaurante extremamente problemática, a unidade da Hooters na cidade é um empreendimento dentro do Projeto Novo Recife. Cremos que não é só apenas as torres do Consórcio que compõe o projeto, afinal o empreendimento que revitaliza a zona portuária da cidade também usa a alcunha ‘Novo Recife’. O que estamos querendo dizer é que o projeto de desenvolvimento urbano está voltado não só para um poder de consumo mais elevado, ligado ao mercado turístico, mas é composto por empreendimentos que exploram sexualmente a imagem feminina. Minimamente, podemos afirmar que um projeto que prevê um tipo de estabelecimento como o Hooters não considera uma realidade de violência sexista concreta na cidade e pior, com base em argumentos de liberdade – de perspectiva liberal – naturaliza a objetificação do corpo do mulher. Você não acha no mínimo complicado o Estado numa Parceria Público/Privada permitir que uma rede como a Hooters se abulete no meio do Recife Antigo, um dos nossos cartões postais, e em vários aspectos contribua para a reprodução da violência sexista? E o papel do estado em coibir essas violências onde fica? Ou não podemos responsabilizar o Estado por isso?
Um empreendimento de requalificação urbana que admite em um modelo de negócio que vende e se sustenta com a exploração de trajes sexualizados, sofistica o consumo sexual do corpo feminino. É uma forma de normalizar e atenuar a prática abusiva do assédio e fazer vista grossa para os comportamentos e hábitos masculinos desrespeitosos e violentos. No processo seletivo, as Garotas Hooters são treinadas a fugirem de cantadas e como falamos acima, são obrigadas a assinar um termo afirmando e reconhecendo que podem sofrer abusos. Desta forma, ao admitir este tipo de negócio de alto consumo, num grande projeto de estruturação urbana, o poder público colabora para construção de ambientes não seguros para mulheres, permite a expansão do consumo elitista de mulheres como entretenimento masculino, – o que representa uma estratégia de normalização – além de impulsionar a cultura machista na cidade, algo que definitivamente reverberará e trará drásticas consequências às todas as mulheres e afeminadas da sociedade. Isto representará um imenso retrocesso. No mundo inteiro, meninas e mulheres sofrem com assédio, machismo e violência nos espaços públicos. O medo, muitas vezes, impede que elas façam algum trajeto, limitando seu ir e vir na cidade. Isso acontece porque o espaço urbano não é planejado pensando nas mulheres e afeminadas, e o Novo Recife está ai para provar isso!

Hooters2 – Uma busca no google (ou no DuckDuckGo o buscador que não vende sua vida a empresas.) com o nome da franquia Hooters e o site da rede são bem claros, a proposta não é a venda de comidas, mas das mulheres em forma de produto. É ingênuo acreditar que se trata unicamente de um restaurante comum, que “famílias frequentam e isso não tem nada de mais” ou que “é um bar como outro qualquer”. Olhem os detalhes no site e me digam se realmente não há problemas em uma franquia internacional que expõe como propaganda mulheres semi nuas envoltas em lutas de UFC, jogos de beisebol e costelas suínas, te dizendo: “ao chegar no nosso bar você não só vai ver a sua luta ou o jogo do seu time, mas ser servido por belas mulheres com seios volumosos a mostra” se você não enxergou o problema é porque provavelmente você se satisfaz, tira vantagem com esta exploração sexual ou por alguma espécie de cegueira desconhecida (rs). Realmente se faz necessário isso pra vender cebola empanada e chopp gelado? Nós acreditamos que isto não faz nenhum sentido, mas sabe porque o senso comum não se dá conta dessa bizarrice? Porque a sua, a nossa consciência, já esta habituada a ver mulheres sendo vendidas como partes integrantes de um kit disponível aos homens – mulheres, bebidas, muita carne vermelha e futebol e isso é tão natural que as famílias não veem problemas em levar seus filhos para esses espaços, é tudo normal.

A hipersexualização das mulheres está nos outdoors, nas revistas, nos programas de TV, nos catálogos de moda, nas publicidades e em casas noturnas, isto não representa um problema em nossa sociedade, pelo contrario, é necessário para que as mulheres tenham algum valor, pois esta é uma das formas que a sociedade nos oferece para sermos úteis no mundo. Pela hipersexualizacao dos corpos femininos as mulheres e pessoas afeminadas são impelidas a vender o que a sociedade consome: seus corpos. Se você inverter a lógica vai perceber que aos homens e seres masculinos são reservadas mais possibilidades de emprego que não envolvam seus corpos e suas sexualidades, mas para as mulheres e seres afeminados, vender sua força de trabalho sexual é sempre uma alternativa. A grande questão aqui é que as mulheres e todxs xs individuxs podem e devem obter o seu sustento da melhor forma que optar, mas existe uma lógica que faz com que alguns corpos afeminados sejam vendáveis e outros bem menos. O que os defensores da Hooters não percebem é o quanto essa naturalização da mulher enquanto objeto sexual, sexo frágil e muitas vezes como servas dos homens tem consequências desastrosas, como a violência física, exploração sexual e o tráfico de mulheres. Não acreditamos em objetificação sexual light, ou exploração sexual leve, menos danosa e mascarada como a Hooters faz nos seus restaurantes.

f33 – Aí você me diz que as mulheres “estão ali porque querem e gostam do que fazem”. Em um ponto concordamos, de fato xs indivíduxs possuem uma agência que xs motiva a agir de um jeito e não de outro, e que (até onde sabemos) os empregadores não colocam facas nos pescoços das mulheres e as obrigam a trabalhar lá. Mas existe uma outra questão que impede o que você chama de “liberdade individual” e “livre iniciativa”, cremos que ela é uma ilusão. Ao dar uma pequena observada em nossa sociedade e nas nossas próprias atuações dentro dela percebemos que a grande maioria de nós, principalmente as pessoas de classes mais populares, já trabalharam ou trabalham em empregos que não gostam e não lhes satisfazem e que o imperativo financeiro é condicionante para “passar um tempo, até me organizar”, muitas vezes este tempo é uma eternidade. Dificilmente é possível acreditar que uma pessoa se sinta realizada com o tipo de trabalho que faz no McDonald’s ou do Subway, apesar de sabermos que existe uma pequena exceção. A vida capitalista faz com que o emprego seja uma necessidade, para pagar as contas, para comer, para morar bem. A estabilidade do emprego sempre se coloca a frente das necessidades subjetivas, dos prazeres, dos projetos políticos e muitas vezes das aptidões pessoais. Não é por acaso que a depressão é uma das doenças que mais afastam trabalhadores das empresas atualmente, também não é por acaso o alto índice de pessoas com depressão nas cidades. O Estabelecimento que se utiliza da liberdade das mulheres de estarem lá porque querem” para vendê-las junto com pedaços de animais mortos, acaba por contribuir para que essas violências aconteçam. As Garotas Hooters são obrigadas a “reconhecer e afirmar” que o conceito do bar é baseado no apelo sexual feminino e que no ambiente de trabalho podem ocorrer situações desagradáveis de desrespeito e assédios. Me diga você o que pode acontecer com essas mulheres que estão lá trabalhando em um dia de luta de UFC, madrugada a fora quando a maioria masculina embriagada resolver “tirar uma onda” no estabelecimento… Será que elas serão culpabilizadas pelo desrespeito que podem sofrer? Por ter assinado um termo onde se declaram cientes disso? Pense com carinho, sem dizer a primeira coisa que a sua mente reproduz, com um pouco de cuidado você se dará conta do que pode acontecer com elas.

4 – Pessoas que fazem o uso do termo liberdade, para justificar o tipo de emprego oferecido pela Hooters, deviam reconhecer que homens são proibidos de serem garçons neste bar, que além disso muitas mulheres que fogem de um padrão de beleza objetificado também são proibidas de trabalhar lá. Na realidade a Hooters tem um manual severo de conduta e impõe na cabeça das funcionárias que elas precisam realizar atividades extra oficiais, para assegurar o emprego. Um estabelecimento que tem como hábito apenas selecionar ‘gostosas’ desrespeita quem não atende os padrões de beleza machistas. Quantos destes homens que defendem a Hooters perderam oportunidades de empregos por não serem bonitos ou gostosos? – sim, porque grande parte deles são horrorosos e nem um pouco gostosos por sinal (rs. rsrsrs). Se o serviço é de atendimento, a mulher não tem obrigação de ser gostosa, muito menos de tentar manter ou atingir um padrão de beleza machista para conseguir um emprego. Vocês acham realmente que isto tem alguma coisa a ver com liberdade?

5 – Os defensores da Hooters parecem não saber que a rede tem várias pedras legais em seu calcanhar, em 1997 a Hooters foi condenada a pagar 3,75 milhões por ter discriminado e negado emprego a três homens nos Estados Unidos, em 2004 várias mulheres entraram com ação na justiça estadunidense por ter sidos filmadas por câmeras escondidas enquanto se despiam. Para os amantes do direito, o acesso ao emprego baseado por motivos de sexo, cor, estado civil, é proibido pela Constituição Brasileira. E o que isso diz sobre a rede de restaurantes? Bem, nos diga você!

960x720_179216 – Fundamentalistas religiosas ou moralistas é um termo que não nos cabe. Não estamos indo contra os shortinhos que as Garotas Hooters vestem, muito menos contra seus decotes, estamos indo contra mulheres terem que vestir shortinhos e decotes para serem o principal produto de atração de um restaurante, sim porque elas deixam de ser Anas, Marias e Claúdias, para serem um objeto sexual. Defendemos o direito das mulheres andarem como queiram, com burca, com shorts, topless, de calças, sem camisa e até nuas, apenas somos contra alguém lucrar pela forma que uma mulher deseja se trajar ou imponha um traje para o trabalho que a transforme num produto, isto se chama coisificação e objetificação do corpo feminino e é exatamente isto o que transforma mulheres em mercadoria. Também lutamos pela liberdade sexual e temos certeza que sem ela é impossível existir corpos livres. Nos impressionam ver os homens que defendem a Hooters falar em liberdade das mulheres. Atualmente, as mulheres não tem liberdade para interromper uma gravidez indesejada, queremos saber o que eles estão fazendo para garantir as liberdades femininas que não cruzam com seus desejos sexuais. A nossa questão é com o sistema capitalista que é machista, racista e que se apropria dos corpos das mulheres e afeminadas para lucrar em cima deles. Seja para fins sexuais, seja para limpar o banheiro ou fazer um almoço, o sistema se apropria dos nossos corpos para servir uma classe dominante, branca, rica e heterossexual.

Nossa tentativa de trazer estes tópicos se faz com o objetivo de contribuir para um maior aprofundamento do debate, tão precarizado pela naturalização do senso comum machista. Nossa posição é norteada por princípios anticapitalistas e anti-autoritários, por isso cremos na interseccionalidade das lutas como algo elementar para a construção de uma realidade plural, diversa e justa. Outros pontos que abordamos no texto original como como tráfico de mulheres, exploração de animais não humanos, projeto de requalificação protagonizado pelo monopólio de grupos corporativos, estratégias de pressão e a subordinação mercantil de pessoas pelo advento do emprego capitalista, se faz neste momento, sem oportunidade de análise, haja visto a profunda convicção dos defensores da Hooters com os ideais hegemônicos antropocêntricos, capitalistas e machistas.

Admitimos, sem dúvidas, uma possível ‘falha pedagógica’ na objetividade do texto e na incisividade combativa. Contudo, gostaríamos de dividir esta responsabilidade, com nossxs parceirxss de luta e grupos que publicizam uma postura crítica ao capitalismo, mesmo com todas suas contradições. Novas visões de mundo em relação ao gênero, etnia, classe, sexo, cidades, agricultura, animais não humanos, meio ambiente e transporte não se consolidarão com esforço “somente das feministas”. A construção de uma realidade plural passa por vários campos. Desta forma, assumir, posicionar-se e ter postura contundente contra iniciativas exploratórias que se baseiam na submissão, se faz uma mais que uma responsabilidade, é um compromisso social.

ARCA – Articulação Combativa Antisexista

A insegurança que ronda os corpos femininos: Um pedido de socorro!

Escrava-AnastáciaEm um mundo tomado por relações de poder desiguais, a luta das que sofrem violência está a todo tempo resistindo ao aniquilamento. Nossa resiliência é infinita e, por não sermos frágeis, nosso alcance não tem limites. Estes escritos são um pedido de socorro, numa tentativa de compartilhar, construir segurança e solicitar solidariedade das pessoas que priorizam o combate ao sexismo em suas construções políticas emancipadoras.

 

O ESTOPIM E A CONIVÊNCIA

Há cerca de um mês foi publicada uma denúncia contra as agressões cometidas por Erick Marcos Alves Uchôa, também conhecido como Soulfly, e contra seus companheiros do Laboratório de Mídias Autônomas, o La.M.A.

A história começou a se tornar pública quando algumas companheiras tomaram conhecimento de agressões sofridas pela então companheira de Soulfly. Vidros estavam quebrados na casa onde moravam, mas a justificativa era um suposto transtorno mental da mulher que, por ter quebrado tudo em um surto, seria doente e precisava ser “controlada.” Fatos como esse, sabidos por alguns integrantes do LA.M.A, foram silenciados e não problematizados. Mais tarde, quando uma pessoa trans declaradamente combativa e anti-sexista ficou sabendo das agressões por relatos da vítima, ela reiterou o alerta ao coletivo. Mas os integrantes do LA.M.A optaram por se solidarizar com o agressor, deslegitimar o alerta e não dar a devida atenção à história. Entenderam a denúncia como “fofoca” ou “boato” e, dessa forma, colaboraram com o machismo incontestável e tornaram invisível o discurso da trans. Chegaram a, inclusive, negar apoio e fazer o boicote a uma atividade organizada por ela. Um misto de machismo e transfobia que só deu mais tempo e força para Soulfly e prolongou uma situação de conforto para o agressor e completo desconforto para a então companheira, grávida dele, e todas aquelas solidárias a ela.

O tempo mostrou o óbvio: o ciclo da violência se perpetuou e, a falta de atenção coletiva ao fato, colaborou para mais situações de opressão encontrarem lugar para acontecer. No entanto, desta vez não se deu no espaço privado, no qual as marcas podem ser escondidas atrás das cortinas da vida doméstica, da briga de marido e mulher. Quando a ex-companheira de soulfly expressou sua revolta na frente de todos, em pleno acampamento do Ocupe Estelita, a ficha dos machos, antes incapazes de acreditar nos denunciantes, caiu.

A partir de então, começou o processo de confirmação dos “boatos”. Apenas depois de ter-se presenciado violência em espaço público da militância a história foi levada a sério. Típico: na lógica da sociedade patriarcal, o macho está certo até que se prove o contrário. Para nós, lutadoras diárias que pretendem um mundo de equidade, a versão da vítima sempre é a primeira em que acreditaremos, pois entendemos como essencial a inversão desta lógica. Da lógica opressora. Da mesma ordem de opressão imposta pelo Estado e pelo Capitalismo.

Quem diz querer uma sociedade livre de opressões tem de se colocar sensível a elas quando aparecem: Um burguês está no lugar de opressor de um pobre. Um macho está no lugar de opressor de afeminadas.

Não se pode usar dois pesos e duas medidas, como fez o LA.M.A.

Foram cúmplices. Por opção.

 

A ARTICULAÇÃO

Como muito bem pontuado pela carta de denúncia, Soulfly abusou da confiança que tinha no coletivo. Aproveitou o apoio de seus companheiros machos, até então completamente confiantes na versão do agressor. Ele se sentiu confortável para continuar cometendo violências sem prever nenhum tipo de consequência negativa. A cômoda inércia de seu coletivo político o colocou no topo, pois havia uma rede de solidariedade A ELE. AO MACHO.

No entanto, Soulfly subestimou a inteligência e capacidade de articulação feminina. Ele não esperava que uma rede de solidariedade combativa fosse ativada, que provas fossem reunidas, que testemunhas fossem acionadas, que suas mentiras fossem descobertas e que as vítimas silenciadas e ameaçadas por ele se rebelassem. Não estranhamente, outros casos vieram à tona e outras ex-companheiras fizeram coro à denúncia. Estava-se indubitavelmente lidando com um violentador de mulheres.

Depois da explosão de denúncias, na tentativa de encaminhar uma solução, o coletivo o afastou das atividades. As afeminadas, articuladas em apoio total à vítima, conseguiram, juntas, criar o incômodo necessário para o questionamento de uma posição de privilégio. Mas este primeiro passo ainda não é/foi suficiente.

 

AS CONSEQUÊNCIAS

Soufly caiu, mas está se rearrachamticulando para voltar, para se vingar. Ele se esconde atrás de uma imagem frágil, calma e dócil. Recentemente, o agressor, escreveu uma nota na qual diz não se reconhecer nas denúncias e solicita ajuda dos amigos e companheiros que um dia compartilharam momentos em espaços políticos. Soulfly diz querer entender o seu machismo. De forma eufêmica, diz que os relatos da vítima sobre as violências que ela sofreu não são suficientes para ele entender seu machismo, por isso ele pede a pessoas que ele legitima que falem sobre suas atitudes machistas.

Soufly, que afirmava a sua vítima que ela nada podia fazer, porque ela não era ninguém e ninguém iria acreditar nela, está perseguindo pessoas e entrando em contato com ela sob o argumento de que ele precisa entender o que está acontecendo. Com uma dessas pessoas, que confirmou seu machismo, ele alterou as frases e enviou a alguns de seus (ex?)companheiros como uma conversa na internet que continha um pedido de desculpas e um reconhecimento de acusações injustas. Soufly está manipulando e alterando conversas para obter provas e se proteger, isto é muito grave.

Em um escrito de desabafo, procurando rearticulação e negando as acusações, Soulfy diz que a única coisa que tira da situação é a raiva, um elemento positivo para se levantar. Eufemicamente, isto é uma propaganda de vingança. Neste mesmo relato o agressor se diz injustiçado, pois tentou ajudar a vítima e agora está sendo chamado de machista, diz que as denuncias proferidas não tem substância ou fundamento, sendo, portanto, deslumbres vagos provenientes de mulheres histéricas e ciumentas. O agressor crê que a vítima está tentando ficar bem passando por cima dele, por cima de quem bateu, empurrou, torturou, cuspiu na cara, ameaçou, apedrejou, beliscou, deslegitimou, caluniou e difamou mulheres e pessoas trans.

Em síntese, Soulfly está dizendo que a culpada é a vítima, sugere que as acusações são mentirosas, se sente traído, usa de um discurso manipulativo para obter piedade das pessoas e coloca a vítima como ingrata. Muitas pessoas ainda acreditam nos seus relatos, ignoram os boletins de ocorrência, as medidas protetivas, jogam as testemunhas presenciais de sua violência no lixo, anulam as vozes violentadas de suas outras ex-namoradas e descredibilizam todas as pessoas que foram injuriadas e difamadas por ele. Esta realidade é apavorante. A estas pessoas, lembramos que é entre namorados, irmãos, pais e amigos que estão os agressores de mulheres. E não se pode colocar os laços afetivos acima destas ameaças. É aí que reside a colaboração com o agressor e com a continuidade da violência. Acreditar no agressor é estar do lado hegemônico, de mãos dadas com o patriarcado.

O ALERTA

Devido a esta realidade, tão dura e este contexto tão difícil, diante de uma possibilidade real de rearticulação e empoderamento do agressor, diante de um discurso hipócrita e mentiroso estar alinhando pessoas para solidarizar-se com um machista extremamente perigoso e violento, pedimos solidariedade e apoio à todas as pessoas, coletivos, agremiações, grupos e associações que levam o combate antisexista como pauta prioritária em suas políticas anticapitalistas, para que mais um macho agressor não vire o jogo e se encontre apto a aperfeiçoar suas violências, pondo em risco corpos femininos.

Os desdobramentos pós denúncia trazem uma realidade: não é possível mais aliança. A solidariedade em casos como este não se dá apenas a partir da expulsão ou afastamento do macho agressor. Não se trata de prestar contas ao tribunal das afeminadas. Homens realmente comprometidos com a desconstrução do machismo precisam se colocar no desconforto de rever suas ações cotidianas para, de alguma forma, sentirem-se organicamente solidários. No caso do LA.M.A., isto não aconteceu.

Homens do Lama e os outros tantos cúmplices de Soulfly mostram porque o agressor proferiu violências à sua ex-companheira abaixo de tantos olhos durante tanto tempo. Torna-se explícita a falta de vontade em priorizar e se posicionar sobre as questões que não atingem os Homens, que os colocam em posição de questionamento e ameaçam seus postos de poder tão bem protegidos pela solidariedade entre MACHOS. Sabemos que todos eles não foram cúmplices a toa, não foram cúmplices apenas por inércia, são cúmplices porque se assemelham com agressor, porque também cometem violências, porque ignorar a denúncia, em momento posterior, foi uma estratégia de proteção masculina e de deslegitimação de corpos dissidentes da heterossexualidade compulsória. E este é o grande nó deste debate: a automática solidariedade entre homens não está no nível da consciência. Os Homens não necessariamente fizeram uma reunião para escolher acreditar e ficar ao lado de Soulfly. Neste e em outros casos, vemos o movimento automático de aglutinação dos afins, resultante das relações sociais construídas desde a família e legitimadas pela construção simbólica dos papéis de gênero no Capitalismo e aprisionamento de corpos promovido pelo Estado.

Mas, e as mulheres? Elas não fizeram nada! Elas não foram machistas também? Não. E este é o argumento mais rasteiro utilizado para desacreditar quem denuncia e se manter inquestionável no pólo de poder. As mulheres não são colaboradoras do machismo, são vítimas. O machismo reproduzido pelas mulheres, não as coloca em patamar de privilégio, pelo contrário, coloca-as em locais de submissão, servidão e obediência à figura masculina e este local é o palco das mais diversas violências. É impressionante ver, no caso do LA.M.A., homens se dizendo abertos para reflexões e questionamentos sexistas mas, ao mesmo tempo, usando de um argumento tão covarde. Esta hipocrisia é, na realidade, uma captura e uma apropriação dos discursos de questionamento para o refino e aperfeiçoamento das opressões sexistas, algo realmente abominável e inadmissível. Para os amantes da teoria: uma afirmação deste tipo evidencia a falta de interesse em se debruçar sobre a vasta literatura disponível, das mais diversas correntes do feminismo.

Ora, não é no campo do discurso que qualquer homem macho mostrará sua disposição em combater os machismos seus e que acontecem em seu entorno. É na prática, na ação cotidiana, que ficará ou não evidente a tentativa de se deslocar do privilégio. Não basta usar uma camisa roxa próximo ao 8 de maio. Não basta dizer que você reconhece a importância dos espaços construídos por afeminadas. Não basta lançar uma cartilha. Não basta segurar uma bandeira. Nós sentimos cotidianamente a opressão de existir. Machos precisam reconhecer que não sentem. Qualquer tipo de raiva destes argumentos é da mesma monta da raiva que os donos de empresas de ônibus têm quando seus funcionários entram em greve ou quando o povo vai à rua protestar contra o aumento. É a raiva do opressor em relação ao oprimido. Neste caso, machos e afeminadas.

Enquanto homens podem estar se questionando sobre como fazer isso, sobre porque isto é importante, sobre como isto pode demorar; estamos preocupadas em apoiar todas as companheiras vítimas. Não temos tempo para a reflexão da Ágora Ateniense. Ameaças não se esquecem, a dor de um murro não some na mesma velocidade dos hematomas. A perseguição nunca parou.

Fica aqui o nosso alerta: os espaços políticos libertários em Recife não são seguros para mulheres, bichas afeminadas e demais não homens. A falta de reflexão e acumulo sobre as questões de gênero e sexismo tornou-se um grande tapete que acoberta comportamentos machistas cotidianos, lesbofobia, homofobia e transfobia. Na nossa perspectiva, se almejamos uma sociedade livre, temos de tentar construí-la em todos os espaços que ocupamos. É a partir destes espaços políticos que novas relações podem se irradiar para outras esferas sociais. Quando este compromisso não é sério, violências como a cometida por Soulfly deixam as marcas da agressão na vítima e evidenciam da pior forma as falhas de qualquer projeto político que desconsidera a opressão de gênero como estruturante, para além do discurso.

No início de 2014 Sandra Fernandes, militante do PSTU, e seu filho Icauã foram brutalmente assassinados por seu ex-companheiro, sob os olhos daqueles que viam a virilidade e masculinidade do criminoso como algo normal, sob o consenso dos que foram convencidos pelos comportamentos tranquilos e pacíficos que o agressor apresentavam publicamente. Esses viris sórdidos com uma face aparente de “bons rapazes” são, inevitavelmente, os mais perigosos. A ARCA, articulação simpática ao anarquismo, entende que o Caso Soulfly tem potencial para um desfecho tão semelhante e dolorido quanto a triste história de Sandra. Fazer com que esta história não se repita é responsabilidade daqueles que assumem um compromisso na construção de realidades anticapitalistas e livres, porque o capitalismo é o filho pródigo do patriarcado e a cabeça dos reis equivale à virilidade dos homens.

Somos todas Sandra Fernandes
Somos todas Paula Dahmer
Todo repúdio à Erick Soulfly
Machistas: NÃO PASSARÃO.

ARCA – ARTICULAÇÃO COMBATIVA ANTISEXISTA