Como o silenciamento e a omissão sobre o caso de agressão no Som na Rural vulnerabilizam e fragilizam potências solitárias.

Aprendi com Maria Clara Araújo: “Vou fazer um post”. E este fala sobre como silenciamento e a omissão vulnerabilizam e fragilizam potências solitárias.

regplO que aconteceu: hoje, no Lesbian Bar, o macho transtornado citado nas cartas de Priscila Souza e das suas amigas agredidas apareceu. E no mesmo local estavam também as pessoas agredidas por este. O ke aconteceu mais uma vez: negligenciamento que leva a fuga das agredias.

Hoje, mais uma vez saio cabisbaixa e acuada de um espaço na cidade de Recife.

Mas poderia ser diferente, eu sei que poderia.

Mas parece que o que se espera é uma reação das agredidas: aquelas mais fragilizadas pela situação. Essas mesmas acusadas de serem responsáveis pela evasão em diversos espaços… histéricas, barraqueiras, descontroladas.

Estas evadiram mais uma vez. Evadiram por não se sentirem mais uma vez seguras. Por falta de confiança em si, em primeiro lugar – para que não passemos a outxs a culpa, para que não esqueçamos a ação direta – e nas figuras que compõem a cena. E aqui peço perdão a ao bonde formado naquela noite.
As bixas unidas hão de te ter força.

Mas naquela noite, em ke Socrates Alexandre fazia a portaria, Ana Giselle comandaria a pista de dança, as irmãs Caio e Pethrus chegavam, Igor falava sobre nosso bonde; naquela noite, isso não foi suficiente para assegurar a integridade de pessoas agredidas e expostas naquele ambiente.

Até quando? Até quando teremos de abrir mão das nossas possibilidades de subsistência? Até quando teremos de fugir?
Não pergunte o que teria acontecido se as barraqueiras agredidas tivessem permanecido. Estamos cansadas de acabar com a festa, de causar barraco, de ter as portas fechadas. E por mais que nenhum espaço seja seguro (as pessoas que constroem o espaço é que fazem sua segurança) gostaríamos de continuar contando com possibilidades de existir sem estar em risco, como fazem nossas irmãs nas esquinas das avenidas nas madrugadas.

Nada muda. Agressão, denúncia, silenciamento, omissão e evasão de dissidentes à solidão.

Evadimos sozinhas para a solidão.

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Ítalo Bazon e Roger de Renor denunciados por agressão e violência Machista no #ruralnoforte.

A Arca compartilha uma denúncia enviada por email, sobre agressão e violência machista no evento Som na Rural, ocorrida no último dia 30/08/2015, esta denuncia complementa nossa última postagem também enviada por email.

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“É brilhante como o machismo estrutural funciona de forma a proteger agressores… São engrenagens muito bem organizadas e eficazes. “Não vamos expor eles”, “eles precisam de ajuda”, “mas eles foram legais que só naquela vez, lembra?”. Macho transtornado merece escracho. Pela segurança e bem-estar das mulheres. Ponto.” Viq Vic.

O roteiro é o mesmo aqui e em qualquer lugar, quanto mais empoderadas, firmes, combativas e não frágeis as vítimas do machismo se apresentam, mais violências e tentativas de dominação planeja a inconformada supremacia machista. No dia 30 de agosto de 2015, última edição do Som na Rural realizado no Forte das Cinco Pontas, o machismo estrutural ocorreu bem do jeitinho que manda o figurino. Violência, intimidação e ameaça de afeminadas, agressão física às pessoas trans, acolhimento do agressor pelos machos do evento, deslegitimação, hostilidade e como toque final perseguição das trans e novas ameaças do agressor, agora protegido pelos machos organizadores.

Acompanhado de uma amiga, Ítalo Henrique Bazon, macho transtornado (aquele que faz questão de demonstrar em público sua virilidade, exaltação, estupidez e imponência) recentemente denunciado por agressão e violência machista, visivelmente furioso e de mal humor ficou extremamente irritado com uma trans não binária1, no momento em que ela respondeu a hostilidade expressa por ele ao ir cumprimentar sua amiga. Sendo bruto, violento e ameaçador a trans resolveu sair de perto.

Logo depois a trans acompanhada de outra amiga não binária, se deparou com a mulher que acompanhava o macho – nesse momento sozinha – e resolveram ir trocar uma ideia com ela. Ela aparentemente não tinha concordado com as atitudes do macho e depois de iniciada uma conversa, caíram num papo sobre desconstrução, violência machista e relações de poder. É exatamente no momento que se falava sobre a dificuldade de desconstrução frente a atitudes e comportamentos que agregam poder, que o macho nos localiza, vem em nossa direção e inicia ameaças às trans, com voz e mãos levantadas, expressando um ímpeto de agressividade e coação extremamente opressivo. A outra amiga trans, começa a falar pro macho cair fora e “abaixar a bola”, a mulher também tenta contê-lo, mas a truculência machulenta era desmedida, e desta vez, já não mais contido, ele vem com a clara intenção de bater. É neste momento que ele leva um chute na região genital. A confusão foi instalada, e agora o macho muda de foco, deposita toda sua raiva na trans que tentou combatê-lo, com a explicita intenção de bater e mostrar sua pseudo-superioridade. Quando a situação chega no ápice da violência, a mulher, executando técnicas de autodefesa afeminada, consegue de forma exemplar conter o macho e afastá-lo do local que estavam as trans, mas, sem mais apoio, isto não duraria muito, a confusão já fora instalada e todos os olhos já estavam aptos a condenar e hostilizar as trans que comprometeram “o clima de paz” do evento.

O machismo estrutural e naturalizado na cabeça da sociedade é cego em perceber as desconfortáveis, tiranas e violentas situações que mulheres, bichas, travestis e pessoas trans estão condenadas. Então, no momento de reagir, de não aceitar a submissão e autoridade abusiva dos comportamentos masculinos estas pessoas são automaticamente colocadas como ‘personas non gratas’ e estraga prazeres (prazeres, ler-se: abusos e coerção machista naturalizada). É muito engraçado verem as pessoas falarem de paz, sem considerar o cotidiano nada pacífico que a sociedade heterossexista2 submete as questionadoras do machismo. O evento Som na Rural não é um espaço de paz para mulheres, bichas, travestis e trans.

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Mas não acabou, ainda tem o pior. Devido a confusão instaurada, alguns outros machos da organização do evento, incluindo Roger de Renor se aproximaram na intensão de acalmar a confusão. Este é o momento que o macho agressor está cercado de outras pessoas e Roger diz clara e explicitamente estar ao lado do agressor. Sem nenhum pesar se coloca como cúmplice do agressor. A posição de Roger de repúdio a uma das pessoas trans que estava envolvida nesta confusão se constrói numa edição anterior do Som na Rural realizada na época da Ocupação do Estelita, na ocasião, o produtor cultural convidou Ortinho, acusado e escrachado pela opinião pública local por fazer apologia ao estupro e proferir mensagem de violência a mulheres. Na época a ocupação do Estelita contou com um forte debate sobre violências sexistas e com uma intensa combatividade contra machos agressores que estavam na ocupação, foi um período de muito acúmulo sobre pautas e questionamentos feministas e de empoderamento antisexista, e na contramão de toda esta vivência Roger tenta trazer para o Estelita um apologista do estupro. Inconformadas com tal situação, as afeminadas ocupantes do Estelita, pediram voz para problematizar a situação no microfone e quando começaram a falar tiveram o microfone cortado, uma das justificativas saídas pelo pessoal do som: “Ortinho é meu amigo”.

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Fora do palco uma discussão aconteceu e Roger acusou a mesma trans envolvida na situação aqui descrita de querer se promover sugerindo que se inscrevesse no Big Brother. O que acontece de fato é um macho, branco e heterossexual dizendo que a denúncia de cumplicidade machista ocorrida naquele espaço é uma estratégia de exibicionismo, nada mais deplorável, revoltante e anti-feminista. Na realidade um ser que goza de múltiplos privilégios e vive num ambiente onde impera o estrelismo, o alpinismo social, o status pela acumulação de capital cultural e a arrogância poserista, atua estimulando vivências conflitivas e covardes, além de seguir deslegitimando a urgência de setores estigmatizados de problematizar desigualdades políticas no cotidiano.

É a partir das nossas relações e situações diárias que se estrutura os grandes sistemas de poder. Pensar direito à cidade, protagonismo popular e ocupação dos espaços públicos sem considerar as relações impostas pela estrutura capitalista, soa ingênuo, mas também assimilador, escroto e desonesto ao considerar que tais questionamentos agregam pessoas e possibilitam acumulação de poder e visibilidade por parte de quem pensa política desta forma tão superficial, insuficiente e vitrinista.

Desta vez, Roger aproveitou a oportunidade para se aliar ao agressor e estimular a hostilidade às trans com pelo menos outros cinco homens que acompanhavam o agressor, deixando-o em situação de conforto e agora com “justos” motivos para expressar sua violência machista. Roger ainda agiu em cumplicidade ao agressor ao ser visto deslegitimando a trans para outras pessoas invertendo o polo da história e apontando as pessoas trans com algo que o homem branco heterossexual não quer ser associado: violentas, agressivas, as que implodem os espaços, baderneiras e loucas. Devido ao apoio de Roger e a aliança com outros cinco machos o agressor se sentiu confortável e protegido para seguir com seu transtorno: foi caçar às trans.

italoagressaoGraças aos organizadores do evento foi criado um clima de vulnerabilidade e tensão. Ao procurar ficar junto de outras amigas e em espaços com maior concentração de pessoas as trans foram perseguidas pelo macho que invadiu o grupo onde estavam, voltando a ameaçar e intimida-las. Voz alta, mãos levantadas, dedo na cara, agressividade e uso do corpo para empurrar pessoas e declarar um novo confronto, só que agora protegido pela organização do evento e apoiado por outros machos tão escrotos quanto ele. Neste cenário de intensa insegurança as trans decidiram ir embora e os machos unidos mais uma vez ganharam o espaço. Nas redes sociais o agressor, diz ter tido uma discussão conversado com amigos dos envolvidos e resolvido o caso. O que este infeliz chama de discussão, nós chamamos de violência machista, o que ele diz ter sido resolvido para nós resume a nossa expulsão do espaço.

Roger não foi cúmplice a toa, diariamente vemos agressores proferirem violências abaixo de tantos olhos durante tanto tempo. Torna-se explícita a falta de vontade em priorizar e se posicionar sobre as situações que colocam os machos em posição de questionamento e ameaça a seus postos de poder tão bem protegidos pela solidariedade entre MACHOS. Sabemos que não existem cúmplices a toa, não existem cúmplices apenas por inércia, cúmplices existem porque se assemelham com agressor, porque também cometem violências, porque estar ao lado do agressor é uma estratégia de proteção masculina e de deslegitimação de corpos dissidentes da heterossexualidade compulsória3.

O fato denunciado expressa a imensa ofensiva heterossexista contra a combatividade e declaração de insubmissão por parte das vítimas do machismo. É abominável que um evento e um projeto como Som na Rural, que se apoia em discursos políticos, tenha atitudes explicitamente oportunistas, covardes e canalhas, silenciando críticas contra comportamentos machistas, servindo inescrupulosamente como base de fortalecimento para ameaças e intimidações contra pessoas trans e pior, usando as ideias de democracia e direito à cidade apenas para acumular capital cultural e agregar valor político. Queremos deixar bem claro, para mulheres e dissidentes sexuais que este evento e seus organizadores ESTIMULA A VIOLÊNCIA MACHISTA E ISTO NÃO DEVE SER TOLERADO. Recife passa por um momento de intenso questionamento sobre questões de gênero e sexualidade, articulações e movimentações em perspectiva feminista, transfeminista, sexo-dissidentes e libertárias tem tensionado sobre pontos extremamente naturalizados da violência patriarcal.

Recentemente Lírio Ferreira e Cláudio Assis protagonizaram outro caso desgastante de machismo e misoginia e a problematização contra o show de machulencia dos dois deu a luz uma série de denúncias sobre abusos e assédios contra mulheres. Esta nota também se dá numa tentativa de ascender outras situações de violência e agressão sexista que os machos aqui denunciados estão supostamente envolvidos. Admitindo a pertinência do questionamento contra ambientes/pessoas que estão tão acostumadas a serem bajuladas e não criticadas alegamos que Perversidade é proteger agressores e assim, agredir novamente. Perversidade é saber que esses caras, não importa o que façam, são acobertados pela tal brodagem machulenta e misógina da cena cultural pernambucana.

A misoginia, transfobia e violência machista imperante nos comportamentos que enfrentamos no cotidiano não deve ser relativizada, pelo contrário é importante que não nos calemos e sempre nos apresentemos combativas e dispostas a ação direta quando o assunto é violência machista. É com a máxima O pessoal é político”, que encerramos esta nota tentando estimular discursos críticos, questionamentos e responsabilidade aos fazeres dos agressores aqui citados e com a intensa e sempre ativa capacidade de combater e denunciar atitudes que violentam e silenciam as vítimas estruturais do machismo e da heterossexualidade compulsória.

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1
– Trans não binária são pessoas que transgridem o gênero e/ou a sexualidade e não se identificam necessariamente com nenhum dos gêneros binários instituídos pelo heterocapitalismo, sua ciência, suas corporações e seus Estados. O binário de gênero é a insistência em que homens são masculinos e mulheres são femininas. Isto reduz as opções para que as pessoas ajam fora de seus papeis sociais de gênero sem caírem no esteriótipo das outras. Ademais, homem e mulher não necessariamente traduzem-se como masculino e feminino este significado atende apenas a interesses politicamente contextualizados e opressivos.

2Heterossexismo é a atitude de preconceito, discriminação, negação, estigmatização ou ódio contra toda sexualidade que não seja a heterossexual. Uma sociedade heterossexista é aquela que supõe que naturalmente todas as pessoas são todas heterossexuais ou de que a heterossexualidade e seus valores (monogamia, família nuclear, ativo X passivo) é superior e mais desejável do que as demais possibilidades sexuais.

3 – O termo heterossexualidade compulsória foi criado pela feminista Adrinne Rich em 1980 e refere-se a doutrinação heterossexual que todas as pessoas estão submetidas. Na heterossexualidade compulsória a experiência não-heterossexual é problematizada, patologizada, é considerada algo a ser explicado, buscando um marco para o seu aparecimento. A lesbofobia, homofobia, transfobia, bifobia são algumas das múltiplas expressões violentas que tentam manter compulsoriamente uma normalidade heterossexista.

Nota de Repúdio sobre a violência na Marcha das Vadias Recife

A ARCA enquanto articulação combativa de perspectiva feminista repudia as inúmeras violências cometidas pelo Estado e por alguns trabalhadores ambulantes contra todas as mulheres e dissidentes sexuais na última edição da Marcha das Vadias. Acreditamos que o acontecido evidencia claramente a localização política das organizações e individualidades violentadores bem como seu comprometimento e cumplicidade com o regime sexista e machista que impera na sociedade. Segue a NOTA DE REPÚDIO divulgada pela organização da Marcha das Vadias Recife:

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O Coletivo Marcha das Vadias Recife é um movimento autônomo e apartidário que, articulado com outros coletivos e organizações feministas, há cinco anos, coloca a Marcha das Vadias nas ruas.

A cada ano, com muito suor e dedicação, nos empenhamos para que o evento aconteça como uma importante representação de resistência ao machismo, um grito contra toda forma de violência que vitima mulheres cotidianamente. Buscamos contribuir para a auto-organização coletiva, descobertas e fortalecimento pessoal e político daquelas que sempre são colocadas num lugar de subjugação pelo sistema patriarcal: mulheres negras e brancas, cis e trans, lésbicas e bissexuais.

Lutamos contra o poder do patriarcado que impõe como seu território nossos corpos e escolhas. A Marcha das Vadias Recife é, portanto, onde criticamente entoamos em coro a autonomia dos nossos corpos, a tomada das nossas vidas pelos direitos que nos cabem e pelos desejos que nos movem.

O fortalecimento coletivo e individual das mulheres para a destruição das práticas machistas provoca, inevitavelmente, a reação dos opressores. Tanto pode levar ao abrandamento gradual e inexistência das opressões, assim como pode inflamar a fúria violenta daqueles que sentem seus privilégios – de macho – ameaçados. Uma rápida análise do contexto político indica uma resposta cada vez mais incisiva do conservadorismo. Forças não serão poupadas na tentativa de reinstaurar o nosso silêncio.

Nesse sentido, a Marcha sempre foi alvo de variadas formas de agressão e tentativas de controle, especialmente contra as mulheres trans. No entanto, esse ano o embate foi ainda mais direto, colocando nossa integridade em alto risco desde a concentração até o desfecho da caminhada. É importante tirarmos uma lição positiva destes episódios, que também servem para ilustrar a violência sofrida diariamente por nós, mulheres. É também mais uma oportunidade de constatar como o enfrentamento traz consigo sentimentos explosivos que movem mais impulsos de resistência. É possível perceber essa questão, por exemplo, a partir da maior participação de mulheres trans, e das muitas jovens que fizeram do momento, o seu contato inicial com uma irmandade de luta e apoio.

Assim, a máxima “quando estamos juntas nossa força é maior” agora carrega ainda mais significados. Vemos que as provocações trazidas por nossa simples existência na rua levam à instabilidade do conservadorismo opressor e, principalmente, determinam o crescimento do nosso empoderamento. Existimos e resistimos. Esse ano mais uma vez, transformamos nossa dor e medo em enfrentamento e resistência.

Ao passo em que fomos nos reunindo na praça do Derby, as garras da tirania machista foram se mostrando. No primeiro momento de agressão, uma companheira trans foi impedida de ir ao banheiro feminino por um funcionário da EMLURB. . Muitas de nós questionamos a atitude, no entanto, o funcionário se negou ao diálogo, fechou os dois banheiros e foi embora. Impedindo, inclusive, que mulheres grávidas e crianças tivessem acesso a um serviço que é público.

Quando nos movemos para a denúncia junto aos policiais que patrulhavam a área, o “diálogo” foi encerrado abusivamente com argumentos desrespeitosos aos direitos das mulheres trans, ignorando a legitimidade do seu nome social – o que configura um caso típico de transfobia. A violência sofrida pela nossa companheira só aumentou a nossa indignação e o desejo de tomar as ruas, para reafirmarmos que ali também é nosso lugar.

Havia, entre nós, fortes sentimentos de resistência que confluíam num movimento, tendo o apoio mutuo como força motriz. A força das mulheres nessa Marcha residia num sentimento de empoderamento latente entre nós. Era possível sentir, em cada uma, que por mais que a dor da outra não seja a minha dor, nós nos acolheremos umas as outras, transformando o sentimento de cada uma, em vivência coletiva de enfrentamento, acolhimento e sororidade.

A trilha de agressões teve continuidade enquanto marchávamos. As piadas, os deboches, os xingamentos mais odiosos e humilhantes, nada diferente dos outros anos e de todos os dias. No entanto, se instaurou definitivamente a violência quando um trabalhador informal da Avenida Conde da Boa Vista se sentiu no direito de invadir espaços e corpos. Em postura de deboche às mulheres, exibiu seu peito e barriga, lançando piadas sem escrúpulos e avançou sobre o corpo de uma companheira. Mais uma vez, a indignação nos moveu a defendê-la e a nos colocarmos frente a frente com o agressor inferindo palavras que denunciavam seu comportamento abusivo e machista. Nessa momento, o agressor acuado recebeu apoio de um grupo de homens.

Resguardados em seu machismo fizeram uso de pedaços de madeira para nos espantar e em movimentos intencionais acertaram várias outras companheiras. Um deles fugiu acuado e entrou no Shopping da Boa Vista.
Lançando frases como “esse área é minha”, “vão para trás”, “vão embora, suas putas, loucas”, deixaram claro seu ódio por nós, numa tentativa de determinar que a sua posição de poder não seriam escrachadas. A rua era deles, afirmavam, não só com as palavras, mas, principalmente, com o uso da força física. Não arredamos o pé, como não mais o faremos: nossos corpos são sagrados e ocuparemos todos os lugares.

Entre gritos e xingamentos, esse grupo de agressores munidos de paus, garrafas, canos, voltou de forma organizada e intencional para terminar o que haviam começado. A vontade deles era clara: com a desculpa de que haviam sido constrangidos por “homens e pelas bichas” e que “não batiam em mulher” tentaram afirmar que o problema não era com as mulheres e que voltaram para acertar as contas. Algumas de nós assumiram uma postura dialógica sob o desejo de evitar que a situação saísse mais ainda do controle e entrasse num campo ainda mais violento, impondo a todxs o desespero e o risco de morte. Mas a situação já havia saído do controle, pois eles, ao mesmo tempo em que diziam não querer “brigar”, inflamavam os ânimos, rebatendo os apontamentos machistas que gritávamos, nos chamando para a luta corporal. Nesse momento não houve mais como driblar o inevitável. Com o orgulho de machos feridos, eles voltaram para nos humilhar, nos reduzir a nada, e com desculpas falsas estavam sim dispostos ao pior e não sairiam de lá até nos “colocar no devido lugar”.

Muitas de nós estávamos exaustas e perplexas diante do que estava posto.Tentamos resistir e fomos brutalmente violentadas. Mulheres e homens foram agredidos de forma covarde. Vimos sangue, gritos, desespero e toda a sorte de emoções que se vivencia num momento de ataques e agressões.

Diante de tudo isso, afirmamos que nenhuma violência de gênero praticada contra nós ou nossas companheiras será aceita e que não nos silenciaremos diante do ocorrido. Tomaremos as devidas providências, tanto no que diz respeito a nossa defesa pessoal e mútua cotidiana, quanto ao que cabe a outras organizações sociais, no sentido de fazer cumprir o dever destas de zelar pelas suas responsabilidades em relação a nossa causa.

Nesse sentido, acreditamos que o SINTRACI (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal) deve se responsabilizar pelo ocorrido, uma vez que entre os envolvidos haviam pessoas sindicalizadas. Com isso, não queremos dizer que acolheremos resoluções sociais baseada em instrumentos criminalizantes. Não temos como objetivo criminalizar a articulação de ambulantes ou do SINTRACI, mas sim, a partir do ocorrido, abrir um diálogo para que, de movimento para movimento, e destes para a sociedade, a discussão de gênero, que é sempre insuficiente dentro de organizações e movimentos sociais, seja trabalhada com o devido reconhecimento e responsabilidade.

Assim, deixamos claro que entendemos enquanto opressão toda forma de violência estrutural e sistêmica consequente da forma de organização desigual em sociedade. Acreditamos na transversalidade da luta feminista com o anticapitalismo e o combate ao racismo, firmamos como essencial a construção de diálogo entre os movimentos sociais. É neste sentido que nós, do Coletivo Marcha das Vadias, reivindicamos que o SINTRACI reconheça a gravidade dos atos de violências ocorridos no último dia 30 durante a Marcha das Vadias e responsabilize os envolvidos pela ação de violência de gênero direta que resultou na brutalidade física imposta sobre nós.

Apontamos a urgência da inserção de debates sobre as questões de gênero e violência dentro das atividades do Sindicato, entendendo que, enquanto movimentos sociais, somos parceirxs na luta por uma cidade inclusiva para todas e todos.

Dessa maneira, também não toleraremos os momentos de violência transfóbica inicialmente relatados. Não iremos aceitar qualquer ação que negue xs transexuais enquanto sujeitxs de construção da sua identidade e subjetividade. Repudiamos o ocorrido no banheiro feminino, reiteramos e exigimos que a EMLURB e a Polícia Militar se posicionem publicamente sobre o ocorrido e promova capacitação dxs funcionárixs para que situações como a ocorrida no último dia 30 não voltem a acontecer.

Pela importância dos movimentos feministas na defesa da autonomia dos corpos das mulheres e em repúdio a todas as formas de opressão e violência, nós continuaremos em marcha.

Pela importância da organização coletiva e autonomia das mulheres nos processos de decisão, nós continuaremos em marcha.

Pela importância de ocuparmos as ruas, nós continuaremos em marcha!

Pela importância de nos mantermos unidas e fortes, nós continuaremos em marcha!

Quem não pode com as mulheres, não assanha o formigueiro!

#MarchaDasVadiasRecife2015
#JuntasSomosFortes
#MVR

Porque morder uma orelha de um policial pode ser uma atitude de autodefesa

Verônica Bolina
Verônica Bolina

Como o braço armado do heterocapitalismo trata corpos trans?

Como a mídia corporativa comprometida com a informação enquanto produto retrata corpos trans?

Como a sociedade transfóbica e misógina vê uma violência aos corpos trans?

Convencer as pessoas que um corpo trans é responsável pela violência que sofre é a estratégia mais básica de qualquer exercício de dominação e controle patriarcal. Agressão a uma idosa, a masturbação enquanto estava detida e o ataque a um agente policial são “infrações” que justificariam toda violência. Justificariam a tortura, os abusos e o autoritarismo que Verônica sofreu por parte da instituição “pacificadora”, ou melhor, exterminadora de minorias sociais, a polícia.

Consideramos que um ato de agressão contra uma idosa pode sim configurar machismo e um perfeito exercício de tirania e covardia, e por isso Verônica supostamente pode ter reproduzido uma atitude de superioridade e violência de cunho machista contra Dona Laura. Mas, a partir daí, mesmo que ela a tenha agredido justificaria a violência pela qual ela fora submetida pela polícia? Alexandre Nardoni, Guilherme de Pádua, o goleiro Bruno e os irmãos Cravinhos que cometeram crimes hediondos que chocaram a sociedade e apresentaram nível de brutalidade, frieza e ardilosidade repugnantes, por acaso, foram violentados de alguma maneira? Foram linchados e torturados por serem criminosos? Não, não foram.

Agressão policial
Agressão policial contra Verônica

No Brasil, pensar na grande probabilidade de ocorrência de violência transfóbica quando se analisa qualquer caso de denúncia de agressão praticada por pessoas trans não é vitimismo, não é inferir demais, é uma questão de lógica. Em 2014 50% dos assassinatos de pessoas trans de todo o planeta foram cometidos no Brasil. E São Paulo foi o estado com mais assassinatos, em termos absolutos, de pessoas trans em 2014. (Relátorio 2014 – Grupo Gay da Bahia) A violência contra pessoas trans é tida como normal e banal, é a piada pronta em canais de mídia corporativa. Sendo assim, existe um questionamento que deve ser colocado: será que Verônica, não tentou defender-se da transfobia praticada pela polícia

Condenamos e repudiamos os possíveis atos praticados por Verônica bem como suas imagens com um rosto desfigurado, calças rasgadas justamente na parte traseira, cabelos raspados e os seios a mostra. Da mesma forma que nenhum tipo de transfobia justificaria qualquer agressão desigual à Dona Laura, nos soa extremamente hipócrita e demagogo a solidariedade oportunista com a idosa sem reconhecer a violência que Verônica sofreu apenas por não está alinhada as convenções patriarcais de sexo/gênero.

Humilhada, violentada e completamente destituída da sua dignidade. Sem cabelos, sem roupas, sem proteção, o caso Verônica Bolina explicita que a polícia, enquanto instituição, declarou uma guerra brutal contra nossos corpos e contra a existência de pessoas trans.

Por entender a polícia como uma sofisticada máquina produtora de repressão e propaganda de valores patriarcais e opressivos, nos posicionamos contra ela. Não somos convencidas e nem damos credibilidade aos discursos e versões oficiais de uma instituição que se consolida a custa do sangue de pessoas negras, indígenas e pobres. Não respeitamos uma instituição que se fortalece a partir da misoginia e agride cotidianamente milhares de mulheres, homossexuais e pessoas trans. Repudiamos todos os veículos jornalísticos que insistem em tratar Verônica como traveco e homem, expondo seu nome civil, adjetivando-a no masculino, transformado-a em uma agressora desequilibrada, em uma coisa, em um nada. A mídia corporativa não se utiliza da sua função informativa e crítica para denunciar o Estado e responsabilizá-lo pelo que ocorreu, pelo contrário, enaltece o senso comum e, dessa forma forma, colabora com a naturalização e perpetuação da violência contra pessoas trans.

https://www.youtube.com/watch?v=qaoKy1Pqn-0

Para quem se chocou com a orelha mordida do policial, o que vocês fariam no lugar de Verônica? Acreditamos que isto foi um ato de resistência!

Neste momento de profunda dor e extrema revolta, desafiamos homossexuais, mulheres e pessoas trans que compõem a polícia a se posicionarem contra tamanha violência, questionando os desmandos destas instituições e pondo em cheque os privilégios e a autoridade que recebem ao se venderem para ser braço armado e exterminador do Estado. Desafiamos o Estado Democrático de Direito a fazer valer a justiça patriarcal aos responsáveis e cúmplices das torturas cometidas contra Verônica. Lembramos que no Brasil as denúncias de violência contra a população sexo dissidente aumentaram cerca de 460%, totalizando mais de 6,5 mil casos de espancamentos e assassinatos, fazendo do Brasil o país mais perigoso para pessoas trans do mundo.

Por fim fazemos uma defesa da autodefesa praticados por mulheres cis e trans. É urgente que nos organizemos e aprendamos a proteger a nós e as nossas irmãs. Desejamos que a violência afeminada seja nossa força e fonte de resistência, que não seja recriminada, como se a nossa autodefesa fosse um exagero, uma loucura ou incetivadora de outras violências. Essa é a forma que encontramos para sobreviver diante da guerra declarada.

Nos armar, empoderar, resistir e cuidar das nossas irmãs é a mensagem da ARCA.

TODO REPÚDIO À TODA FORMA DE TRANSFOBIA E MISOGINIA

SOLIDARIEDADE À VERÔNICA BOLINA E TODAS TRANSEXUAIS VÍTIMAS DOS DESMANDOS DO PATRIARCADO.

PELA DESTRUIÇÃO DA POLÍCIA E DO ESTADO.

ARCA – Articulação Combativa Antisexista

 

Verônica Bolina

Jovem mapuche transexual foi brutalmente agredida no Chile

Difícil realidade para dissidentes sexuais na América Latina, após a trágica agressão de Verônica Bolina no Brasil, infelizmente divulgamos a notícia de agressão de Cláudia, transexual da etnia indígena Mapuche que trabalha como prostituta nas ruas de Temuco, Chile

Segue a denúncia do MOVILH:

O Movimento de Integração e Libertação Homossexual (MOVILH) denúncia uma violenta agressão que uma mapuche trans teria sofrido contra sua identidade de gênero

Desde 13 de abril a jovem transexual Claudia Camila Nahuelhual Cayuqueo (34), se encontra internada no hospital Hernán Henríquez Aravena em Temuco, após ser brutalmente agredida quando exercia o comércio sexual próximo a esquina da rua Prat com Varas.

Segundo o relato da vítima, um sujeito, em razão da sua identidade de gênero, agrediu-a segurando sua cabeça contra o cimento do chão, deixando seu rosto completamente desfigurado.

A Rede Assistencial Antumawida está acompanhando à vítima desde que aconteceu o fato, explicou ao Movilh que a jovem deveria ter todo seu cabelo raspado para ser submetida a diversas operações, pois como resultado do ataque “sua mandíbula ficou fraturada e deverão ser postos pinos na sua cara”.

O caso já está sob conhecimento do Governo, que deliberou Mário Gonzalez, do Ministério do Interior para visita à vítima no último domingo.

Claudia que foi inicialmente hospitalizada como homem, teve, felizmente, este descuidado corrigido garantindo o respeito à sua identidade de gênero, conforme exige a Lei Zamudio e os artigos 34 e 21 do Ministério da Saúde chileno.

Fonte: Soy Chile

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Mais uma jovem travesti agredida e ameaçada no bairro da Váreza em Recife

10422400_384459038402578_4891519645174287181_nHOJE, 29 de Janeiro é o dia da visibilidade trans e, infelizmente, compartilhamos o texto a seguir:

[Solicitamos ampla divulgação] – MACHISTAS, HOMOFÓBICOS E TRANSFÓBICOS NÃO PASSARÃO!

Infelizmente esse é mais um relato de transfobia:

Recife, Várzea, segunda-feira, 27 de Janeiro de 2015. Sim, estamos no século XXI e, lamentavelmente, ainda existem pessoas que se acham no direito de agredir a outras.

A travesti Sara Brackman (Sarita), 24 anos, foi agredida na porta de sua casa por um vizinho. A mesma relata que vinha sendo coagida na comunidade em que reside e no dia da agressão estava em uma ligação com uma amiga do lado de fora da sua residência e seu vizinho sentiu-se incomodado com a situação. Sarita então perguntou ao mesmo se havia algum problema já que ele começou a agredi-la verbalmente, dizendo à mesma que resolveria a situação de outra maneira. Sarita então continuou a ligação e depois retornou as suas atividades. Após um tempo o homem voltou e perguntou se ela estava ficando louca por ter “descontado” nele o stress da ligação, então o agressor pegou um cabo de vassoura que estava perto e lançou contra a vítima causando inúmeras escoriações em seu corpo (pernas, braços e barriga), não esquecendo de mencionar as agressões moral e psicológica sofridas.

960286_384459041735911_2066441968825367527_n A polícia foi acionada, chegando ao local quase uma hora depois do ocorrido alegando que não podia levá-los para a delegacia pois não havia mais flagrante (mesmo com tantos hematomas pelo corpo), instruindo a vítima a comparecer depois à delegacia para prestar uma queixa. Sarita desistiu de prestar queixa pois o agressor a procurou pedindo para que a mesma não o denunciasse pois este já tinha passagem pela polícia por agressão (e mais uma vez a história se repete: mais uma agressão é “deixada de lado”, mais uma agressão “não oficializada” e mais um agressor impune). Sarita foi conscientizada da importância de fazer a agressão sofrida não tornar-se motivo de vergonha e sim ser uma mola pra militância pelos direitos LGBTs, a denúncia está sendo feita para ser amplamente divulgada, para que cada vez menos travestis, transexuais, gays e lésbicas precisem recorrer a este tipo de apelo para terem seus direitos assegurados.


Sara foi agredida e está viva, mas muitas de suas companheiras não têm a mesma sorte. As marcas no corpo dela se apagarão, mas o que ela sofreu não. Quantas pessoas são agredidas/assassinadas diariamente só por serem quem são? Quantas travestis morrem no esquecimento por não estarem dentro do padrão hetero normativo imposto nesta sociedade em que vivemos? Até quando as travestis continuarão sendo assassinadas e agredidas e seus agressores passarão impunes? Até quando precisaremos estar lendo/compartilhando estes textos? Quantas Saritas mais?!


10414396_384459011735914_3657399909381574868_nEste texto serve de empoderamento contra TODA FORMA DE OPRESSÃO! Todas e todos tem o direito de viver e ser quem são pelo simples fato de que só temos uma vida e esta só nos diz respeito! Se queremos andar como Sarita, como Ana, como Paulo, como José, DEIXA! Se queremos transar com uma pessoa ou com cinco, DEIXA! Nosso corpo, nossas regras! Se queremos ser “Saritas”, “Pedros”, “Charlotes” ou os três, DEIXA!


BASTA DE MACHISMO! BASTA DE HOMOFOBIA! BASTA DE TRANSFOBIA E VIOLÊNCIA! BASTA DE VIOLÊNCIA E OPRESSÃO!
Somxs todxs gays, lésbicas, transexuais e travestis! Somxs um e não nos calaremos até que todxs estejam LIVRES E EM SEGURANÇA!

A insegurança que ronda os corpos femininos: Um pedido de socorro!

Escrava-AnastáciaEm um mundo tomado por relações de poder desiguais, a luta das que sofrem violência está a todo tempo resistindo ao aniquilamento. Nossa resiliência é infinita e, por não sermos frágeis, nosso alcance não tem limites. Estes escritos são um pedido de socorro, numa tentativa de compartilhar, construir segurança e solicitar solidariedade das pessoas que priorizam o combate ao sexismo em suas construções políticas emancipadoras.

 

O ESTOPIM E A CONIVÊNCIA

Há cerca de um mês foi publicada uma denúncia contra as agressões cometidas por Erick Marcos Alves Uchôa, também conhecido como Soulfly, e contra seus companheiros do Laboratório de Mídias Autônomas, o La.M.A.

A história começou a se tornar pública quando algumas companheiras tomaram conhecimento de agressões sofridas pela então companheira de Soulfly. Vidros estavam quebrados na casa onde moravam, mas a justificativa era um suposto transtorno mental da mulher que, por ter quebrado tudo em um surto, seria doente e precisava ser “controlada.” Fatos como esse, sabidos por alguns integrantes do LA.M.A, foram silenciados e não problematizados. Mais tarde, quando uma pessoa trans declaradamente combativa e anti-sexista ficou sabendo das agressões por relatos da vítima, ela reiterou o alerta ao coletivo. Mas os integrantes do LA.M.A optaram por se solidarizar com o agressor, deslegitimar o alerta e não dar a devida atenção à história. Entenderam a denúncia como “fofoca” ou “boato” e, dessa forma, colaboraram com o machismo incontestável e tornaram invisível o discurso da trans. Chegaram a, inclusive, negar apoio e fazer o boicote a uma atividade organizada por ela. Um misto de machismo e transfobia que só deu mais tempo e força para Soulfly e prolongou uma situação de conforto para o agressor e completo desconforto para a então companheira, grávida dele, e todas aquelas solidárias a ela.

O tempo mostrou o óbvio: o ciclo da violência se perpetuou e, a falta de atenção coletiva ao fato, colaborou para mais situações de opressão encontrarem lugar para acontecer. No entanto, desta vez não se deu no espaço privado, no qual as marcas podem ser escondidas atrás das cortinas da vida doméstica, da briga de marido e mulher. Quando a ex-companheira de soulfly expressou sua revolta na frente de todos, em pleno acampamento do Ocupe Estelita, a ficha dos machos, antes incapazes de acreditar nos denunciantes, caiu.

A partir de então, começou o processo de confirmação dos “boatos”. Apenas depois de ter-se presenciado violência em espaço público da militância a história foi levada a sério. Típico: na lógica da sociedade patriarcal, o macho está certo até que se prove o contrário. Para nós, lutadoras diárias que pretendem um mundo de equidade, a versão da vítima sempre é a primeira em que acreditaremos, pois entendemos como essencial a inversão desta lógica. Da lógica opressora. Da mesma ordem de opressão imposta pelo Estado e pelo Capitalismo.

Quem diz querer uma sociedade livre de opressões tem de se colocar sensível a elas quando aparecem: Um burguês está no lugar de opressor de um pobre. Um macho está no lugar de opressor de afeminadas.

Não se pode usar dois pesos e duas medidas, como fez o LA.M.A.

Foram cúmplices. Por opção.

 

A ARTICULAÇÃO

Como muito bem pontuado pela carta de denúncia, Soulfly abusou da confiança que tinha no coletivo. Aproveitou o apoio de seus companheiros machos, até então completamente confiantes na versão do agressor. Ele se sentiu confortável para continuar cometendo violências sem prever nenhum tipo de consequência negativa. A cômoda inércia de seu coletivo político o colocou no topo, pois havia uma rede de solidariedade A ELE. AO MACHO.

No entanto, Soulfly subestimou a inteligência e capacidade de articulação feminina. Ele não esperava que uma rede de solidariedade combativa fosse ativada, que provas fossem reunidas, que testemunhas fossem acionadas, que suas mentiras fossem descobertas e que as vítimas silenciadas e ameaçadas por ele se rebelassem. Não estranhamente, outros casos vieram à tona e outras ex-companheiras fizeram coro à denúncia. Estava-se indubitavelmente lidando com um violentador de mulheres.

Depois da explosão de denúncias, na tentativa de encaminhar uma solução, o coletivo o afastou das atividades. As afeminadas, articuladas em apoio total à vítima, conseguiram, juntas, criar o incômodo necessário para o questionamento de uma posição de privilégio. Mas este primeiro passo ainda não é/foi suficiente.

 

AS CONSEQUÊNCIAS

Soufly caiu, mas está se rearrachamticulando para voltar, para se vingar. Ele se esconde atrás de uma imagem frágil, calma e dócil. Recentemente, o agressor, escreveu uma nota na qual diz não se reconhecer nas denúncias e solicita ajuda dos amigos e companheiros que um dia compartilharam momentos em espaços políticos. Soulfly diz querer entender o seu machismo. De forma eufêmica, diz que os relatos da vítima sobre as violências que ela sofreu não são suficientes para ele entender seu machismo, por isso ele pede a pessoas que ele legitima que falem sobre suas atitudes machistas.

Soufly, que afirmava a sua vítima que ela nada podia fazer, porque ela não era ninguém e ninguém iria acreditar nela, está perseguindo pessoas e entrando em contato com ela sob o argumento de que ele precisa entender o que está acontecendo. Com uma dessas pessoas, que confirmou seu machismo, ele alterou as frases e enviou a alguns de seus (ex?)companheiros como uma conversa na internet que continha um pedido de desculpas e um reconhecimento de acusações injustas. Soufly está manipulando e alterando conversas para obter provas e se proteger, isto é muito grave.

Em um escrito de desabafo, procurando rearticulação e negando as acusações, Soulfy diz que a única coisa que tira da situação é a raiva, um elemento positivo para se levantar. Eufemicamente, isto é uma propaganda de vingança. Neste mesmo relato o agressor se diz injustiçado, pois tentou ajudar a vítima e agora está sendo chamado de machista, diz que as denuncias proferidas não tem substância ou fundamento, sendo, portanto, deslumbres vagos provenientes de mulheres histéricas e ciumentas. O agressor crê que a vítima está tentando ficar bem passando por cima dele, por cima de quem bateu, empurrou, torturou, cuspiu na cara, ameaçou, apedrejou, beliscou, deslegitimou, caluniou e difamou mulheres e pessoas trans.

Em síntese, Soulfly está dizendo que a culpada é a vítima, sugere que as acusações são mentirosas, se sente traído, usa de um discurso manipulativo para obter piedade das pessoas e coloca a vítima como ingrata. Muitas pessoas ainda acreditam nos seus relatos, ignoram os boletins de ocorrência, as medidas protetivas, jogam as testemunhas presenciais de sua violência no lixo, anulam as vozes violentadas de suas outras ex-namoradas e descredibilizam todas as pessoas que foram injuriadas e difamadas por ele. Esta realidade é apavorante. A estas pessoas, lembramos que é entre namorados, irmãos, pais e amigos que estão os agressores de mulheres. E não se pode colocar os laços afetivos acima destas ameaças. É aí que reside a colaboração com o agressor e com a continuidade da violência. Acreditar no agressor é estar do lado hegemônico, de mãos dadas com o patriarcado.

O ALERTA

Devido a esta realidade, tão dura e este contexto tão difícil, diante de uma possibilidade real de rearticulação e empoderamento do agressor, diante de um discurso hipócrita e mentiroso estar alinhando pessoas para solidarizar-se com um machista extremamente perigoso e violento, pedimos solidariedade e apoio à todas as pessoas, coletivos, agremiações, grupos e associações que levam o combate antisexista como pauta prioritária em suas políticas anticapitalistas, para que mais um macho agressor não vire o jogo e se encontre apto a aperfeiçoar suas violências, pondo em risco corpos femininos.

Os desdobramentos pós denúncia trazem uma realidade: não é possível mais aliança. A solidariedade em casos como este não se dá apenas a partir da expulsão ou afastamento do macho agressor. Não se trata de prestar contas ao tribunal das afeminadas. Homens realmente comprometidos com a desconstrução do machismo precisam se colocar no desconforto de rever suas ações cotidianas para, de alguma forma, sentirem-se organicamente solidários. No caso do LA.M.A., isto não aconteceu.

Homens do Lama e os outros tantos cúmplices de Soulfly mostram porque o agressor proferiu violências à sua ex-companheira abaixo de tantos olhos durante tanto tempo. Torna-se explícita a falta de vontade em priorizar e se posicionar sobre as questões que não atingem os Homens, que os colocam em posição de questionamento e ameaçam seus postos de poder tão bem protegidos pela solidariedade entre MACHOS. Sabemos que todos eles não foram cúmplices a toa, não foram cúmplices apenas por inércia, são cúmplices porque se assemelham com agressor, porque também cometem violências, porque ignorar a denúncia, em momento posterior, foi uma estratégia de proteção masculina e de deslegitimação de corpos dissidentes da heterossexualidade compulsória. E este é o grande nó deste debate: a automática solidariedade entre homens não está no nível da consciência. Os Homens não necessariamente fizeram uma reunião para escolher acreditar e ficar ao lado de Soulfly. Neste e em outros casos, vemos o movimento automático de aglutinação dos afins, resultante das relações sociais construídas desde a família e legitimadas pela construção simbólica dos papéis de gênero no Capitalismo e aprisionamento de corpos promovido pelo Estado.

Mas, e as mulheres? Elas não fizeram nada! Elas não foram machistas também? Não. E este é o argumento mais rasteiro utilizado para desacreditar quem denuncia e se manter inquestionável no pólo de poder. As mulheres não são colaboradoras do machismo, são vítimas. O machismo reproduzido pelas mulheres, não as coloca em patamar de privilégio, pelo contrário, coloca-as em locais de submissão, servidão e obediência à figura masculina e este local é o palco das mais diversas violências. É impressionante ver, no caso do LA.M.A., homens se dizendo abertos para reflexões e questionamentos sexistas mas, ao mesmo tempo, usando de um argumento tão covarde. Esta hipocrisia é, na realidade, uma captura e uma apropriação dos discursos de questionamento para o refino e aperfeiçoamento das opressões sexistas, algo realmente abominável e inadmissível. Para os amantes da teoria: uma afirmação deste tipo evidencia a falta de interesse em se debruçar sobre a vasta literatura disponível, das mais diversas correntes do feminismo.

Ora, não é no campo do discurso que qualquer homem macho mostrará sua disposição em combater os machismos seus e que acontecem em seu entorno. É na prática, na ação cotidiana, que ficará ou não evidente a tentativa de se deslocar do privilégio. Não basta usar uma camisa roxa próximo ao 8 de maio. Não basta dizer que você reconhece a importância dos espaços construídos por afeminadas. Não basta lançar uma cartilha. Não basta segurar uma bandeira. Nós sentimos cotidianamente a opressão de existir. Machos precisam reconhecer que não sentem. Qualquer tipo de raiva destes argumentos é da mesma monta da raiva que os donos de empresas de ônibus têm quando seus funcionários entram em greve ou quando o povo vai à rua protestar contra o aumento. É a raiva do opressor em relação ao oprimido. Neste caso, machos e afeminadas.

Enquanto homens podem estar se questionando sobre como fazer isso, sobre porque isto é importante, sobre como isto pode demorar; estamos preocupadas em apoiar todas as companheiras vítimas. Não temos tempo para a reflexão da Ágora Ateniense. Ameaças não se esquecem, a dor de um murro não some na mesma velocidade dos hematomas. A perseguição nunca parou.

Fica aqui o nosso alerta: os espaços políticos libertários em Recife não são seguros para mulheres, bichas afeminadas e demais não homens. A falta de reflexão e acumulo sobre as questões de gênero e sexismo tornou-se um grande tapete que acoberta comportamentos machistas cotidianos, lesbofobia, homofobia e transfobia. Na nossa perspectiva, se almejamos uma sociedade livre, temos de tentar construí-la em todos os espaços que ocupamos. É a partir destes espaços políticos que novas relações podem se irradiar para outras esferas sociais. Quando este compromisso não é sério, violências como a cometida por Soulfly deixam as marcas da agressão na vítima e evidenciam da pior forma as falhas de qualquer projeto político que desconsidera a opressão de gênero como estruturante, para além do discurso.

No início de 2014 Sandra Fernandes, militante do PSTU, e seu filho Icauã foram brutalmente assassinados por seu ex-companheiro, sob os olhos daqueles que viam a virilidade e masculinidade do criminoso como algo normal, sob o consenso dos que foram convencidos pelos comportamentos tranquilos e pacíficos que o agressor apresentavam publicamente. Esses viris sórdidos com uma face aparente de “bons rapazes” são, inevitavelmente, os mais perigosos. A ARCA, articulação simpática ao anarquismo, entende que o Caso Soulfly tem potencial para um desfecho tão semelhante e dolorido quanto a triste história de Sandra. Fazer com que esta história não se repita é responsabilidade daqueles que assumem um compromisso na construção de realidades anticapitalistas e livres, porque o capitalismo é o filho pródigo do patriarcado e a cabeça dos reis equivale à virilidade dos homens.

Somos todas Sandra Fernandes
Somos todas Paula Dahmer
Todo repúdio à Erick Soulfly
Machistas: NÃO PASSARÃO.

ARCA – ARTICULAÇÃO COMBATIVA ANTISEXISTA