Porque morder uma orelha de um policial pode ser uma atitude de autodefesa

Verônica Bolina
Verônica Bolina

Como o braço armado do heterocapitalismo trata corpos trans?

Como a mídia corporativa comprometida com a informação enquanto produto retrata corpos trans?

Como a sociedade transfóbica e misógina vê uma violência aos corpos trans?

Convencer as pessoas que um corpo trans é responsável pela violência que sofre é a estratégia mais básica de qualquer exercício de dominação e controle patriarcal. Agressão a uma idosa, a masturbação enquanto estava detida e o ataque a um agente policial são “infrações” que justificariam toda violência. Justificariam a tortura, os abusos e o autoritarismo que Verônica sofreu por parte da instituição “pacificadora”, ou melhor, exterminadora de minorias sociais, a polícia.

Consideramos que um ato de agressão contra uma idosa pode sim configurar machismo e um perfeito exercício de tirania e covardia, e por isso Verônica supostamente pode ter reproduzido uma atitude de superioridade e violência de cunho machista contra Dona Laura. Mas, a partir daí, mesmo que ela a tenha agredido justificaria a violência pela qual ela fora submetida pela polícia? Alexandre Nardoni, Guilherme de Pádua, o goleiro Bruno e os irmãos Cravinhos que cometeram crimes hediondos que chocaram a sociedade e apresentaram nível de brutalidade, frieza e ardilosidade repugnantes, por acaso, foram violentados de alguma maneira? Foram linchados e torturados por serem criminosos? Não, não foram.

Agressão policial
Agressão policial contra Verônica

No Brasil, pensar na grande probabilidade de ocorrência de violência transfóbica quando se analisa qualquer caso de denúncia de agressão praticada por pessoas trans não é vitimismo, não é inferir demais, é uma questão de lógica. Em 2014 50% dos assassinatos de pessoas trans de todo o planeta foram cometidos no Brasil. E São Paulo foi o estado com mais assassinatos, em termos absolutos, de pessoas trans em 2014. (Relátorio 2014 – Grupo Gay da Bahia) A violência contra pessoas trans é tida como normal e banal, é a piada pronta em canais de mídia corporativa. Sendo assim, existe um questionamento que deve ser colocado: será que Verônica, não tentou defender-se da transfobia praticada pela polícia

Condenamos e repudiamos os possíveis atos praticados por Verônica bem como suas imagens com um rosto desfigurado, calças rasgadas justamente na parte traseira, cabelos raspados e os seios a mostra. Da mesma forma que nenhum tipo de transfobia justificaria qualquer agressão desigual à Dona Laura, nos soa extremamente hipócrita e demagogo a solidariedade oportunista com a idosa sem reconhecer a violência que Verônica sofreu apenas por não está alinhada as convenções patriarcais de sexo/gênero.

Humilhada, violentada e completamente destituída da sua dignidade. Sem cabelos, sem roupas, sem proteção, o caso Verônica Bolina explicita que a polícia, enquanto instituição, declarou uma guerra brutal contra nossos corpos e contra a existência de pessoas trans.

Por entender a polícia como uma sofisticada máquina produtora de repressão e propaganda de valores patriarcais e opressivos, nos posicionamos contra ela. Não somos convencidas e nem damos credibilidade aos discursos e versões oficiais de uma instituição que se consolida a custa do sangue de pessoas negras, indígenas e pobres. Não respeitamos uma instituição que se fortalece a partir da misoginia e agride cotidianamente milhares de mulheres, homossexuais e pessoas trans. Repudiamos todos os veículos jornalísticos que insistem em tratar Verônica como traveco e homem, expondo seu nome civil, adjetivando-a no masculino, transformado-a em uma agressora desequilibrada, em uma coisa, em um nada. A mídia corporativa não se utiliza da sua função informativa e crítica para denunciar o Estado e responsabilizá-lo pelo que ocorreu, pelo contrário, enaltece o senso comum e, dessa forma forma, colabora com a naturalização e perpetuação da violência contra pessoas trans.

https://www.youtube.com/watch?v=qaoKy1Pqn-0

Para quem se chocou com a orelha mordida do policial, o que vocês fariam no lugar de Verônica? Acreditamos que isto foi um ato de resistência!

Neste momento de profunda dor e extrema revolta, desafiamos homossexuais, mulheres e pessoas trans que compõem a polícia a se posicionarem contra tamanha violência, questionando os desmandos destas instituições e pondo em cheque os privilégios e a autoridade que recebem ao se venderem para ser braço armado e exterminador do Estado. Desafiamos o Estado Democrático de Direito a fazer valer a justiça patriarcal aos responsáveis e cúmplices das torturas cometidas contra Verônica. Lembramos que no Brasil as denúncias de violência contra a população sexo dissidente aumentaram cerca de 460%, totalizando mais de 6,5 mil casos de espancamentos e assassinatos, fazendo do Brasil o país mais perigoso para pessoas trans do mundo.

Por fim fazemos uma defesa da autodefesa praticados por mulheres cis e trans. É urgente que nos organizemos e aprendamos a proteger a nós e as nossas irmãs. Desejamos que a violência afeminada seja nossa força e fonte de resistência, que não seja recriminada, como se a nossa autodefesa fosse um exagero, uma loucura ou incetivadora de outras violências. Essa é a forma que encontramos para sobreviver diante da guerra declarada.

Nos armar, empoderar, resistir e cuidar das nossas irmãs é a mensagem da ARCA.

TODO REPÚDIO À TODA FORMA DE TRANSFOBIA E MISOGINIA

SOLIDARIEDADE À VERÔNICA BOLINA E TODAS TRANSEXUAIS VÍTIMAS DOS DESMANDOS DO PATRIARCADO.

PELA DESTRUIÇÃO DA POLÍCIA E DO ESTADO.

ARCA – Articulação Combativa Antisexista

 

Verônica Bolina