Amanda Galaxia sobre machismos em ambientes libertários e anarquistas

63770_556869731115699_3462443538930253746_nUns 2 meses atrás peguei um baixo por primeira vez nas minhas mãos. Desde que descobri o poder de desabafo e de descarrego de ódio, um ano atrás, primeiro com uma primeira intenção de banda, e depois na participação que fiz cantando “Ni un día más” com a EDMI, fiquei jogando aquelas “piadas sérias” pra entrar na banda. Depois que Cidão anunciou que sairia do baixo (te amamos, Cidão ♥) joguei mais uma vez meu currículo/atestado de fã do Sin Dios e do Black Flag, e colou. Detalhe: até então só sabia berrar e tocar uns 8 acordes no violão. Mas foi. 3 ensaios, um primeiro show logo de cara no Ecco Sounds, me tremi todinha, errei pa carai. Mais um ensaio e um segundo show, dessa vez no Casarão das Artes com um monte de rostos amigos e Gabriel pra animar a festa. Errei um bocado mas consegui dançar e curtir, risos.

Nisso, a banda vem vivendo umas semanas tensas depois da expulsão do batera por um caso de agressão. Esse ano teve mais denúncias de casos de machismo e violências no meio libertário do que anteriormente. Uma bola de neve que foi crescendo na medida em que vários casos vinham sendo abafados, ignorados e menosprezados pelas pessoas que, fosse desacreditando nas denúncias, ou agindo por má fé, se deram o direito divino de poupar agressores de serem expostos e pelo menos afastados do meio onde fazem a sua “propaganda militante”, onde agem como “homens feministas” e erguem bandeiras ao mesmo tempo que praticam um sem-fim de opressões no cotidiano. Soulfly, Átila, JP, são vários os “colegas”, “amigos”, “companheiros de militância”, que deram a verdadeira cara do machismo. Mas não podemos esquecer que estes são apenas os casos VISÍVEIS. No dia a dia, nós temos que lidar com agressões –não somente físicas- e talvez pior, com os fantasmas delas. Há alguns meses que venho expondo, em espaços e medidas diferentes, o meu caso pessoal de extremas violências psicológicas por parte do meu ex-“companheiro”, Shurato (banda Nômades). Documentos foram escritos e divulgados – não abertamente por querer proteger a minha intimidade e direito à privacidade – mas a triste realidade é que anarquistas e libertários ainda se preocupam mais de “como isso vai queimar o movimento/coletivo/organização” do que da própria integridade moral de quem foi violentada. Ainda não decidi qual será a quantidade de fatos a serem expostos, nem a forma em que isto será feita. Ainda tem umas 12 páginas de relatos que preciso resumir. E me proteger, né? Porque quem dá a cara pro tapa, nessas situações, é a gente. Cadê, homens libertários, que apoiam a causa feminista, se posicionando de verdade? Cadê, boicote desses idiotas nos espaços nos quais dizemos querer “construir o nosso projeto de sociedade”? Cadê, deixar de proteger os amigos, “porque eles são pessoas legais e eles nunca seriam capazes de fazer isso”? Cadê? Cadê?

Insisti muito em expor de fato os motivos da expulsão do batera, porque isso simplesmente não pode passar em vão. Porque não dá, NÃO DÁ, para conviver com pessoas com as quais acreditamos compartilhar valores e ética, que têm histórico de agressão, e simplesmente andam na vida e nos espaços libertários impunes e com a consciência limpa. QUAL É O ESPAÇO SEGURO PARA AS MULHERES QUE QUEREMOS CONSTRUIR? Nós, que devemos abrir mão dele? Nós, que deveríamos nos afastar? Nós, que devemos constantemente PROVAR que não estamos mentindo, que não é histeria nem vingança, apenas desejo de verdade e justiça. Por isso, considero que é fundamental que se saiba os motivos dele ter saído da banda. Mas a decisão de expor os detalhes de uma agressão é da pessoa agredida, única e exclusivamente. Só quem passou por violências sabe o que é se sentir envergonhad@ de reconhecer e dar a conhecer uma agressão sofrida. De alguma forma isso é reconhecer ou aceitar o quão submissa você foi. Os gritos que você calou, as merdas que aguentou, o fraca que você foi. Cada pessoa tem seus processos. Eu mesma só venho dizer isto abertamente depois de 2 anos, eai? Vai me julgar? Todas as amizades em comum têm noção do problema, mas não sabem mais de tal vez um 20% do que aconteceu. Vejo, por um lado, pessoas que querem abafar os casos, que querem fazer de conta que nada aconteceu, e do outro lado, pessoas que querem falar tudo sem se importar com as consequências que isso pode trazer no nível pessoal, familiar, profissional, e por ai vai. O comum entre as duas posturas? Cagação de regras e falta de acolhimento. Falta de sensibilidade ao lidar com as situações no caso a caso. E principalmente, uma incapacidade total de se colocar mesmo na prática para lidar com estas situações que são extremamente desgastantes, sufocantes e dolorosas. Com isto, coloco de forma pública, que a pessoa envolvida no caso de agressão por parte do batera foi sim contatada e que ela não se dispôs em nenhum momento ao diálogo sobre o acontecido. Tem um enorme número de questões pessoais e familiares envolvidas, e nem eu, nem você, é ninguém para poder julgar isso. QUANDO UMA MULHER NÃO DENUNCIA, A QUEM ELA PROTEGE? Não se conhecem os fatos em detalhe, mas se conhece a identidade dele – mesmo que de forma indireta. No caso de Shurato, falta isto ser exposto de forma “oficial” já que do boca a boca ninguém quer saber. A diferença? Eu estou sim disposta e o farei. E que os nossos espaços quebrem o silêncio para que as mulheres se sintam sim à vontade para expor os agressores. Pode afundar mesmo esse underground de discursos vazios de ação. Que o boicote seja prática. Que consigamos sentir o gosto da justiça que nos é negada pelo sistema. Que deixemos de sentir medo.

Enquanto isso, estarei lá tocando as 4 cordas, mesmo tudo errado, e berrando: NÃO MAIS. E que várias sintam o mesmo ódio e gritem junto.