Como o silenciamento e a omissão sobre o caso de agressão no Som na Rural vulnerabilizam e fragilizam potências solitárias.

Aprendi com Maria Clara Araújo: “Vou fazer um post”. E este fala sobre como silenciamento e a omissão vulnerabilizam e fragilizam potências solitárias.

regplO que aconteceu: hoje, no Lesbian Bar, o macho transtornado citado nas cartas de Priscila Souza e das suas amigas agredidas apareceu. E no mesmo local estavam também as pessoas agredidas por este. O ke aconteceu mais uma vez: negligenciamento que leva a fuga das agredias.

Hoje, mais uma vez saio cabisbaixa e acuada de um espaço na cidade de Recife.

Mas poderia ser diferente, eu sei que poderia.

Mas parece que o que se espera é uma reação das agredidas: aquelas mais fragilizadas pela situação. Essas mesmas acusadas de serem responsáveis pela evasão em diversos espaços… histéricas, barraqueiras, descontroladas.

Estas evadiram mais uma vez. Evadiram por não se sentirem mais uma vez seguras. Por falta de confiança em si, em primeiro lugar – para que não passemos a outxs a culpa, para que não esqueçamos a ação direta – e nas figuras que compõem a cena. E aqui peço perdão a ao bonde formado naquela noite.
As bixas unidas hão de te ter força.

Mas naquela noite, em ke Socrates Alexandre fazia a portaria, Ana Giselle comandaria a pista de dança, as irmãs Caio e Pethrus chegavam, Igor falava sobre nosso bonde; naquela noite, isso não foi suficiente para assegurar a integridade de pessoas agredidas e expostas naquele ambiente.

Até quando? Até quando teremos de abrir mão das nossas possibilidades de subsistência? Até quando teremos de fugir?
Não pergunte o que teria acontecido se as barraqueiras agredidas tivessem permanecido. Estamos cansadas de acabar com a festa, de causar barraco, de ter as portas fechadas. E por mais que nenhum espaço seja seguro (as pessoas que constroem o espaço é que fazem sua segurança) gostaríamos de continuar contando com possibilidades de existir sem estar em risco, como fazem nossas irmãs nas esquinas das avenidas nas madrugadas.

Nada muda. Agressão, denúncia, silenciamento, omissão e evasão de dissidentes à solidão.

Evadimos sozinhas para a solidão.

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Ítalo Bazon e Roger de Renor denunciados por agressão e violência Machista no #ruralnoforte.

A Arca compartilha uma denúncia enviada por email, sobre agressão e violência machista no evento Som na Rural, ocorrida no último dia 30/08/2015, esta denuncia complementa nossa última postagem também enviada por email.

SOM-NA-RURAL

“É brilhante como o machismo estrutural funciona de forma a proteger agressores… São engrenagens muito bem organizadas e eficazes. “Não vamos expor eles”, “eles precisam de ajuda”, “mas eles foram legais que só naquela vez, lembra?”. Macho transtornado merece escracho. Pela segurança e bem-estar das mulheres. Ponto.” Viq Vic.

O roteiro é o mesmo aqui e em qualquer lugar, quanto mais empoderadas, firmes, combativas e não frágeis as vítimas do machismo se apresentam, mais violências e tentativas de dominação planeja a inconformada supremacia machista. No dia 30 de agosto de 2015, última edição do Som na Rural realizado no Forte das Cinco Pontas, o machismo estrutural ocorreu bem do jeitinho que manda o figurino. Violência, intimidação e ameaça de afeminadas, agressão física às pessoas trans, acolhimento do agressor pelos machos do evento, deslegitimação, hostilidade e como toque final perseguição das trans e novas ameaças do agressor, agora protegido pelos machos organizadores.

Acompanhado de uma amiga, Ítalo Henrique Bazon, macho transtornado (aquele que faz questão de demonstrar em público sua virilidade, exaltação, estupidez e imponência) recentemente denunciado por agressão e violência machista, visivelmente furioso e de mal humor ficou extremamente irritado com uma trans não binária1, no momento em que ela respondeu a hostilidade expressa por ele ao ir cumprimentar sua amiga. Sendo bruto, violento e ameaçador a trans resolveu sair de perto.

Logo depois a trans acompanhada de outra amiga não binária, se deparou com a mulher que acompanhava o macho – nesse momento sozinha – e resolveram ir trocar uma ideia com ela. Ela aparentemente não tinha concordado com as atitudes do macho e depois de iniciada uma conversa, caíram num papo sobre desconstrução, violência machista e relações de poder. É exatamente no momento que se falava sobre a dificuldade de desconstrução frente a atitudes e comportamentos que agregam poder, que o macho nos localiza, vem em nossa direção e inicia ameaças às trans, com voz e mãos levantadas, expressando um ímpeto de agressividade e coação extremamente opressivo. A outra amiga trans, começa a falar pro macho cair fora e “abaixar a bola”, a mulher também tenta contê-lo, mas a truculência machulenta era desmedida, e desta vez, já não mais contido, ele vem com a clara intenção de bater. É neste momento que ele leva um chute na região genital. A confusão foi instalada, e agora o macho muda de foco, deposita toda sua raiva na trans que tentou combatê-lo, com a explicita intenção de bater e mostrar sua pseudo-superioridade. Quando a situação chega no ápice da violência, a mulher, executando técnicas de autodefesa afeminada, consegue de forma exemplar conter o macho e afastá-lo do local que estavam as trans, mas, sem mais apoio, isto não duraria muito, a confusão já fora instalada e todos os olhos já estavam aptos a condenar e hostilizar as trans que comprometeram “o clima de paz” do evento.

O machismo estrutural e naturalizado na cabeça da sociedade é cego em perceber as desconfortáveis, tiranas e violentas situações que mulheres, bichas, travestis e pessoas trans estão condenadas. Então, no momento de reagir, de não aceitar a submissão e autoridade abusiva dos comportamentos masculinos estas pessoas são automaticamente colocadas como ‘personas non gratas’ e estraga prazeres (prazeres, ler-se: abusos e coerção machista naturalizada). É muito engraçado verem as pessoas falarem de paz, sem considerar o cotidiano nada pacífico que a sociedade heterossexista2 submete as questionadoras do machismo. O evento Som na Rural não é um espaço de paz para mulheres, bichas, travestis e trans.

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Mas não acabou, ainda tem o pior. Devido a confusão instaurada, alguns outros machos da organização do evento, incluindo Roger de Renor se aproximaram na intensão de acalmar a confusão. Este é o momento que o macho agressor está cercado de outras pessoas e Roger diz clara e explicitamente estar ao lado do agressor. Sem nenhum pesar se coloca como cúmplice do agressor. A posição de Roger de repúdio a uma das pessoas trans que estava envolvida nesta confusão se constrói numa edição anterior do Som na Rural realizada na época da Ocupação do Estelita, na ocasião, o produtor cultural convidou Ortinho, acusado e escrachado pela opinião pública local por fazer apologia ao estupro e proferir mensagem de violência a mulheres. Na época a ocupação do Estelita contou com um forte debate sobre violências sexistas e com uma intensa combatividade contra machos agressores que estavam na ocupação, foi um período de muito acúmulo sobre pautas e questionamentos feministas e de empoderamento antisexista, e na contramão de toda esta vivência Roger tenta trazer para o Estelita um apologista do estupro. Inconformadas com tal situação, as afeminadas ocupantes do Estelita, pediram voz para problematizar a situação no microfone e quando começaram a falar tiveram o microfone cortado, uma das justificativas saídas pelo pessoal do som: “Ortinho é meu amigo”.

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Fora do palco uma discussão aconteceu e Roger acusou a mesma trans envolvida na situação aqui descrita de querer se promover sugerindo que se inscrevesse no Big Brother. O que acontece de fato é um macho, branco e heterossexual dizendo que a denúncia de cumplicidade machista ocorrida naquele espaço é uma estratégia de exibicionismo, nada mais deplorável, revoltante e anti-feminista. Na realidade um ser que goza de múltiplos privilégios e vive num ambiente onde impera o estrelismo, o alpinismo social, o status pela acumulação de capital cultural e a arrogância poserista, atua estimulando vivências conflitivas e covardes, além de seguir deslegitimando a urgência de setores estigmatizados de problematizar desigualdades políticas no cotidiano.

É a partir das nossas relações e situações diárias que se estrutura os grandes sistemas de poder. Pensar direito à cidade, protagonismo popular e ocupação dos espaços públicos sem considerar as relações impostas pela estrutura capitalista, soa ingênuo, mas também assimilador, escroto e desonesto ao considerar que tais questionamentos agregam pessoas e possibilitam acumulação de poder e visibilidade por parte de quem pensa política desta forma tão superficial, insuficiente e vitrinista.

Desta vez, Roger aproveitou a oportunidade para se aliar ao agressor e estimular a hostilidade às trans com pelo menos outros cinco homens que acompanhavam o agressor, deixando-o em situação de conforto e agora com “justos” motivos para expressar sua violência machista. Roger ainda agiu em cumplicidade ao agressor ao ser visto deslegitimando a trans para outras pessoas invertendo o polo da história e apontando as pessoas trans com algo que o homem branco heterossexual não quer ser associado: violentas, agressivas, as que implodem os espaços, baderneiras e loucas. Devido ao apoio de Roger e a aliança com outros cinco machos o agressor se sentiu confortável e protegido para seguir com seu transtorno: foi caçar às trans.

italoagressaoGraças aos organizadores do evento foi criado um clima de vulnerabilidade e tensão. Ao procurar ficar junto de outras amigas e em espaços com maior concentração de pessoas as trans foram perseguidas pelo macho que invadiu o grupo onde estavam, voltando a ameaçar e intimida-las. Voz alta, mãos levantadas, dedo na cara, agressividade e uso do corpo para empurrar pessoas e declarar um novo confronto, só que agora protegido pela organização do evento e apoiado por outros machos tão escrotos quanto ele. Neste cenário de intensa insegurança as trans decidiram ir embora e os machos unidos mais uma vez ganharam o espaço. Nas redes sociais o agressor, diz ter tido uma discussão conversado com amigos dos envolvidos e resolvido o caso. O que este infeliz chama de discussão, nós chamamos de violência machista, o que ele diz ter sido resolvido para nós resume a nossa expulsão do espaço.

Roger não foi cúmplice a toa, diariamente vemos agressores proferirem violências abaixo de tantos olhos durante tanto tempo. Torna-se explícita a falta de vontade em priorizar e se posicionar sobre as situações que colocam os machos em posição de questionamento e ameaça a seus postos de poder tão bem protegidos pela solidariedade entre MACHOS. Sabemos que não existem cúmplices a toa, não existem cúmplices apenas por inércia, cúmplices existem porque se assemelham com agressor, porque também cometem violências, porque estar ao lado do agressor é uma estratégia de proteção masculina e de deslegitimação de corpos dissidentes da heterossexualidade compulsória3.

O fato denunciado expressa a imensa ofensiva heterossexista contra a combatividade e declaração de insubmissão por parte das vítimas do machismo. É abominável que um evento e um projeto como Som na Rural, que se apoia em discursos políticos, tenha atitudes explicitamente oportunistas, covardes e canalhas, silenciando críticas contra comportamentos machistas, servindo inescrupulosamente como base de fortalecimento para ameaças e intimidações contra pessoas trans e pior, usando as ideias de democracia e direito à cidade apenas para acumular capital cultural e agregar valor político. Queremos deixar bem claro, para mulheres e dissidentes sexuais que este evento e seus organizadores ESTIMULA A VIOLÊNCIA MACHISTA E ISTO NÃO DEVE SER TOLERADO. Recife passa por um momento de intenso questionamento sobre questões de gênero e sexualidade, articulações e movimentações em perspectiva feminista, transfeminista, sexo-dissidentes e libertárias tem tensionado sobre pontos extremamente naturalizados da violência patriarcal.

Recentemente Lírio Ferreira e Cláudio Assis protagonizaram outro caso desgastante de machismo e misoginia e a problematização contra o show de machulencia dos dois deu a luz uma série de denúncias sobre abusos e assédios contra mulheres. Esta nota também se dá numa tentativa de ascender outras situações de violência e agressão sexista que os machos aqui denunciados estão supostamente envolvidos. Admitindo a pertinência do questionamento contra ambientes/pessoas que estão tão acostumadas a serem bajuladas e não criticadas alegamos que Perversidade é proteger agressores e assim, agredir novamente. Perversidade é saber que esses caras, não importa o que façam, são acobertados pela tal brodagem machulenta e misógina da cena cultural pernambucana.

A misoginia, transfobia e violência machista imperante nos comportamentos que enfrentamos no cotidiano não deve ser relativizada, pelo contrário é importante que não nos calemos e sempre nos apresentemos combativas e dispostas a ação direta quando o assunto é violência machista. É com a máxima O pessoal é político”, que encerramos esta nota tentando estimular discursos críticos, questionamentos e responsabilidade aos fazeres dos agressores aqui citados e com a intensa e sempre ativa capacidade de combater e denunciar atitudes que violentam e silenciam as vítimas estruturais do machismo e da heterossexualidade compulsória.

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1
– Trans não binária são pessoas que transgridem o gênero e/ou a sexualidade e não se identificam necessariamente com nenhum dos gêneros binários instituídos pelo heterocapitalismo, sua ciência, suas corporações e seus Estados. O binário de gênero é a insistência em que homens são masculinos e mulheres são femininas. Isto reduz as opções para que as pessoas ajam fora de seus papeis sociais de gênero sem caírem no esteriótipo das outras. Ademais, homem e mulher não necessariamente traduzem-se como masculino e feminino este significado atende apenas a interesses politicamente contextualizados e opressivos.

2Heterossexismo é a atitude de preconceito, discriminação, negação, estigmatização ou ódio contra toda sexualidade que não seja a heterossexual. Uma sociedade heterossexista é aquela que supõe que naturalmente todas as pessoas são todas heterossexuais ou de que a heterossexualidade e seus valores (monogamia, família nuclear, ativo X passivo) é superior e mais desejável do que as demais possibilidades sexuais.

3 – O termo heterossexualidade compulsória foi criado pela feminista Adrinne Rich em 1980 e refere-se a doutrinação heterossexual que todas as pessoas estão submetidas. Na heterossexualidade compulsória a experiência não-heterossexual é problematizada, patologizada, é considerada algo a ser explicado, buscando um marco para o seu aparecimento. A lesbofobia, homofobia, transfobia, bifobia são algumas das múltiplas expressões violentas que tentam manter compulsoriamente uma normalidade heterossexista.

Mais uma jovem travesti agredida e ameaçada no bairro da Váreza em Recife

10422400_384459038402578_4891519645174287181_nHOJE, 29 de Janeiro é o dia da visibilidade trans e, infelizmente, compartilhamos o texto a seguir:

[Solicitamos ampla divulgação] – MACHISTAS, HOMOFÓBICOS E TRANSFÓBICOS NÃO PASSARÃO!

Infelizmente esse é mais um relato de transfobia:

Recife, Várzea, segunda-feira, 27 de Janeiro de 2015. Sim, estamos no século XXI e, lamentavelmente, ainda existem pessoas que se acham no direito de agredir a outras.

A travesti Sara Brackman (Sarita), 24 anos, foi agredida na porta de sua casa por um vizinho. A mesma relata que vinha sendo coagida na comunidade em que reside e no dia da agressão estava em uma ligação com uma amiga do lado de fora da sua residência e seu vizinho sentiu-se incomodado com a situação. Sarita então perguntou ao mesmo se havia algum problema já que ele começou a agredi-la verbalmente, dizendo à mesma que resolveria a situação de outra maneira. Sarita então continuou a ligação e depois retornou as suas atividades. Após um tempo o homem voltou e perguntou se ela estava ficando louca por ter “descontado” nele o stress da ligação, então o agressor pegou um cabo de vassoura que estava perto e lançou contra a vítima causando inúmeras escoriações em seu corpo (pernas, braços e barriga), não esquecendo de mencionar as agressões moral e psicológica sofridas.

960286_384459041735911_2066441968825367527_n A polícia foi acionada, chegando ao local quase uma hora depois do ocorrido alegando que não podia levá-los para a delegacia pois não havia mais flagrante (mesmo com tantos hematomas pelo corpo), instruindo a vítima a comparecer depois à delegacia para prestar uma queixa. Sarita desistiu de prestar queixa pois o agressor a procurou pedindo para que a mesma não o denunciasse pois este já tinha passagem pela polícia por agressão (e mais uma vez a história se repete: mais uma agressão é “deixada de lado”, mais uma agressão “não oficializada” e mais um agressor impune). Sarita foi conscientizada da importância de fazer a agressão sofrida não tornar-se motivo de vergonha e sim ser uma mola pra militância pelos direitos LGBTs, a denúncia está sendo feita para ser amplamente divulgada, para que cada vez menos travestis, transexuais, gays e lésbicas precisem recorrer a este tipo de apelo para terem seus direitos assegurados.


Sara foi agredida e está viva, mas muitas de suas companheiras não têm a mesma sorte. As marcas no corpo dela se apagarão, mas o que ela sofreu não. Quantas pessoas são agredidas/assassinadas diariamente só por serem quem são? Quantas travestis morrem no esquecimento por não estarem dentro do padrão hetero normativo imposto nesta sociedade em que vivemos? Até quando as travestis continuarão sendo assassinadas e agredidas e seus agressores passarão impunes? Até quando precisaremos estar lendo/compartilhando estes textos? Quantas Saritas mais?!


10414396_384459011735914_3657399909381574868_nEste texto serve de empoderamento contra TODA FORMA DE OPRESSÃO! Todas e todos tem o direito de viver e ser quem são pelo simples fato de que só temos uma vida e esta só nos diz respeito! Se queremos andar como Sarita, como Ana, como Paulo, como José, DEIXA! Se queremos transar com uma pessoa ou com cinco, DEIXA! Nosso corpo, nossas regras! Se queremos ser “Saritas”, “Pedros”, “Charlotes” ou os três, DEIXA!


BASTA DE MACHISMO! BASTA DE HOMOFOBIA! BASTA DE TRANSFOBIA E VIOLÊNCIA! BASTA DE VIOLÊNCIA E OPRESSÃO!
Somxs todxs gays, lésbicas, transexuais e travestis! Somxs um e não nos calaremos até que todxs estejam LIVRES E EM SEGURANÇA!

Seis explicações contra os argumentos machistas que defendem a Hooters

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Diante da repercussão da posição da ARCA sobre a chegada da rede internacional de restaurantes Hooters e da incompreensão por parte de algumas pessoas do que isso representa, resolvemos abordar alguns pontos do debate, só que dessa vez, de forma mais pedagógica, levando em consideração os argumentos mais repetitivos desta historia toda.

Nosso objetivo é que a discussão continue a fluir, de forma a aprofundar a compreensão sobre a lógica violenta na qual se estruturam as nossas cidades. O texto objetivo e pontual de outrora com certeza trouxe muitos desconfortos, não apenas por uma possível falta de habilidade nossa, mas também pela profunda naturalização do machismo presente na sociedade e pelo insistente reforço em querer assegurar, de acordo com a lógica capitalista, o corpo da mulher enquanto mercadoria.

Solicitamos aos leitores maior abertura para ler o que se segue. A missão de se compreender uma mensagem depende em muito da boa vontade de quem a lê.

{02d29c0b-c651-4024-b28f-d76a75f24ad4}_dsc_00021 – O que tudo isso tem a ver com a “revitalização da cidade” e porque o Estado tem sim responsabilidade sobre isso? Além de acharmos, por si só, a existência do restaurante extremamente problemática, a unidade da Hooters na cidade é um empreendimento dentro do Projeto Novo Recife. Cremos que não é só apenas as torres do Consórcio que compõe o projeto, afinal o empreendimento que revitaliza a zona portuária da cidade também usa a alcunha ‘Novo Recife’. O que estamos querendo dizer é que o projeto de desenvolvimento urbano está voltado não só para um poder de consumo mais elevado, ligado ao mercado turístico, mas é composto por empreendimentos que exploram sexualmente a imagem feminina. Minimamente, podemos afirmar que um projeto que prevê um tipo de estabelecimento como o Hooters não considera uma realidade de violência sexista concreta na cidade e pior, com base em argumentos de liberdade – de perspectiva liberal – naturaliza a objetificação do corpo do mulher. Você não acha no mínimo complicado o Estado numa Parceria Público/Privada permitir que uma rede como a Hooters se abulete no meio do Recife Antigo, um dos nossos cartões postais, e em vários aspectos contribua para a reprodução da violência sexista? E o papel do estado em coibir essas violências onde fica? Ou não podemos responsabilizar o Estado por isso?
Um empreendimento de requalificação urbana que admite em um modelo de negócio que vende e se sustenta com a exploração de trajes sexualizados, sofistica o consumo sexual do corpo feminino. É uma forma de normalizar e atenuar a prática abusiva do assédio e fazer vista grossa para os comportamentos e hábitos masculinos desrespeitosos e violentos. No processo seletivo, as Garotas Hooters são treinadas a fugirem de cantadas e como falamos acima, são obrigadas a assinar um termo afirmando e reconhecendo que podem sofrer abusos. Desta forma, ao admitir este tipo de negócio de alto consumo, num grande projeto de estruturação urbana, o poder público colabora para construção de ambientes não seguros para mulheres, permite a expansão do consumo elitista de mulheres como entretenimento masculino, – o que representa uma estratégia de normalização – além de impulsionar a cultura machista na cidade, algo que definitivamente reverberará e trará drásticas consequências às todas as mulheres e afeminadas da sociedade. Isto representará um imenso retrocesso. No mundo inteiro, meninas e mulheres sofrem com assédio, machismo e violência nos espaços públicos. O medo, muitas vezes, impede que elas façam algum trajeto, limitando seu ir e vir na cidade. Isso acontece porque o espaço urbano não é planejado pensando nas mulheres e afeminadas, e o Novo Recife está ai para provar isso!

Hooters2 – Uma busca no google (ou no DuckDuckGo o buscador que não vende sua vida a empresas.) com o nome da franquia Hooters e o site da rede são bem claros, a proposta não é a venda de comidas, mas das mulheres em forma de produto. É ingênuo acreditar que se trata unicamente de um restaurante comum, que “famílias frequentam e isso não tem nada de mais” ou que “é um bar como outro qualquer”. Olhem os detalhes no site e me digam se realmente não há problemas em uma franquia internacional que expõe como propaganda mulheres semi nuas envoltas em lutas de UFC, jogos de beisebol e costelas suínas, te dizendo: “ao chegar no nosso bar você não só vai ver a sua luta ou o jogo do seu time, mas ser servido por belas mulheres com seios volumosos a mostra” se você não enxergou o problema é porque provavelmente você se satisfaz, tira vantagem com esta exploração sexual ou por alguma espécie de cegueira desconhecida (rs). Realmente se faz necessário isso pra vender cebola empanada e chopp gelado? Nós acreditamos que isto não faz nenhum sentido, mas sabe porque o senso comum não se dá conta dessa bizarrice? Porque a sua, a nossa consciência, já esta habituada a ver mulheres sendo vendidas como partes integrantes de um kit disponível aos homens – mulheres, bebidas, muita carne vermelha e futebol e isso é tão natural que as famílias não veem problemas em levar seus filhos para esses espaços, é tudo normal.

A hipersexualização das mulheres está nos outdoors, nas revistas, nos programas de TV, nos catálogos de moda, nas publicidades e em casas noturnas, isto não representa um problema em nossa sociedade, pelo contrario, é necessário para que as mulheres tenham algum valor, pois esta é uma das formas que a sociedade nos oferece para sermos úteis no mundo. Pela hipersexualizacao dos corpos femininos as mulheres e pessoas afeminadas são impelidas a vender o que a sociedade consome: seus corpos. Se você inverter a lógica vai perceber que aos homens e seres masculinos são reservadas mais possibilidades de emprego que não envolvam seus corpos e suas sexualidades, mas para as mulheres e seres afeminados, vender sua força de trabalho sexual é sempre uma alternativa. A grande questão aqui é que as mulheres e todxs xs individuxs podem e devem obter o seu sustento da melhor forma que optar, mas existe uma lógica que faz com que alguns corpos afeminados sejam vendáveis e outros bem menos. O que os defensores da Hooters não percebem é o quanto essa naturalização da mulher enquanto objeto sexual, sexo frágil e muitas vezes como servas dos homens tem consequências desastrosas, como a violência física, exploração sexual e o tráfico de mulheres. Não acreditamos em objetificação sexual light, ou exploração sexual leve, menos danosa e mascarada como a Hooters faz nos seus restaurantes.

f33 – Aí você me diz que as mulheres “estão ali porque querem e gostam do que fazem”. Em um ponto concordamos, de fato xs indivíduxs possuem uma agência que xs motiva a agir de um jeito e não de outro, e que (até onde sabemos) os empregadores não colocam facas nos pescoços das mulheres e as obrigam a trabalhar lá. Mas existe uma outra questão que impede o que você chama de “liberdade individual” e “livre iniciativa”, cremos que ela é uma ilusão. Ao dar uma pequena observada em nossa sociedade e nas nossas próprias atuações dentro dela percebemos que a grande maioria de nós, principalmente as pessoas de classes mais populares, já trabalharam ou trabalham em empregos que não gostam e não lhes satisfazem e que o imperativo financeiro é condicionante para “passar um tempo, até me organizar”, muitas vezes este tempo é uma eternidade. Dificilmente é possível acreditar que uma pessoa se sinta realizada com o tipo de trabalho que faz no McDonald’s ou do Subway, apesar de sabermos que existe uma pequena exceção. A vida capitalista faz com que o emprego seja uma necessidade, para pagar as contas, para comer, para morar bem. A estabilidade do emprego sempre se coloca a frente das necessidades subjetivas, dos prazeres, dos projetos políticos e muitas vezes das aptidões pessoais. Não é por acaso que a depressão é uma das doenças que mais afastam trabalhadores das empresas atualmente, também não é por acaso o alto índice de pessoas com depressão nas cidades. O Estabelecimento que se utiliza da liberdade das mulheres de estarem lá porque querem” para vendê-las junto com pedaços de animais mortos, acaba por contribuir para que essas violências aconteçam. As Garotas Hooters são obrigadas a “reconhecer e afirmar” que o conceito do bar é baseado no apelo sexual feminino e que no ambiente de trabalho podem ocorrer situações desagradáveis de desrespeito e assédios. Me diga você o que pode acontecer com essas mulheres que estão lá trabalhando em um dia de luta de UFC, madrugada a fora quando a maioria masculina embriagada resolver “tirar uma onda” no estabelecimento… Será que elas serão culpabilizadas pelo desrespeito que podem sofrer? Por ter assinado um termo onde se declaram cientes disso? Pense com carinho, sem dizer a primeira coisa que a sua mente reproduz, com um pouco de cuidado você se dará conta do que pode acontecer com elas.

4 – Pessoas que fazem o uso do termo liberdade, para justificar o tipo de emprego oferecido pela Hooters, deviam reconhecer que homens são proibidos de serem garçons neste bar, que além disso muitas mulheres que fogem de um padrão de beleza objetificado também são proibidas de trabalhar lá. Na realidade a Hooters tem um manual severo de conduta e impõe na cabeça das funcionárias que elas precisam realizar atividades extra oficiais, para assegurar o emprego. Um estabelecimento que tem como hábito apenas selecionar ‘gostosas’ desrespeita quem não atende os padrões de beleza machistas. Quantos destes homens que defendem a Hooters perderam oportunidades de empregos por não serem bonitos ou gostosos? – sim, porque grande parte deles são horrorosos e nem um pouco gostosos por sinal (rs. rsrsrs). Se o serviço é de atendimento, a mulher não tem obrigação de ser gostosa, muito menos de tentar manter ou atingir um padrão de beleza machista para conseguir um emprego. Vocês acham realmente que isto tem alguma coisa a ver com liberdade?

5 – Os defensores da Hooters parecem não saber que a rede tem várias pedras legais em seu calcanhar, em 1997 a Hooters foi condenada a pagar 3,75 milhões por ter discriminado e negado emprego a três homens nos Estados Unidos, em 2004 várias mulheres entraram com ação na justiça estadunidense por ter sidos filmadas por câmeras escondidas enquanto se despiam. Para os amantes do direito, o acesso ao emprego baseado por motivos de sexo, cor, estado civil, é proibido pela Constituição Brasileira. E o que isso diz sobre a rede de restaurantes? Bem, nos diga você!

960x720_179216 – Fundamentalistas religiosas ou moralistas é um termo que não nos cabe. Não estamos indo contra os shortinhos que as Garotas Hooters vestem, muito menos contra seus decotes, estamos indo contra mulheres terem que vestir shortinhos e decotes para serem o principal produto de atração de um restaurante, sim porque elas deixam de ser Anas, Marias e Claúdias, para serem um objeto sexual. Defendemos o direito das mulheres andarem como queiram, com burca, com shorts, topless, de calças, sem camisa e até nuas, apenas somos contra alguém lucrar pela forma que uma mulher deseja se trajar ou imponha um traje para o trabalho que a transforme num produto, isto se chama coisificação e objetificação do corpo feminino e é exatamente isto o que transforma mulheres em mercadoria. Também lutamos pela liberdade sexual e temos certeza que sem ela é impossível existir corpos livres. Nos impressionam ver os homens que defendem a Hooters falar em liberdade das mulheres. Atualmente, as mulheres não tem liberdade para interromper uma gravidez indesejada, queremos saber o que eles estão fazendo para garantir as liberdades femininas que não cruzam com seus desejos sexuais. A nossa questão é com o sistema capitalista que é machista, racista e que se apropria dos corpos das mulheres e afeminadas para lucrar em cima deles. Seja para fins sexuais, seja para limpar o banheiro ou fazer um almoço, o sistema se apropria dos nossos corpos para servir uma classe dominante, branca, rica e heterossexual.

Nossa tentativa de trazer estes tópicos se faz com o objetivo de contribuir para um maior aprofundamento do debate, tão precarizado pela naturalização do senso comum machista. Nossa posição é norteada por princípios anticapitalistas e anti-autoritários, por isso cremos na interseccionalidade das lutas como algo elementar para a construção de uma realidade plural, diversa e justa. Outros pontos que abordamos no texto original como como tráfico de mulheres, exploração de animais não humanos, projeto de requalificação protagonizado pelo monopólio de grupos corporativos, estratégias de pressão e a subordinação mercantil de pessoas pelo advento do emprego capitalista, se faz neste momento, sem oportunidade de análise, haja visto a profunda convicção dos defensores da Hooters com os ideais hegemônicos antropocêntricos, capitalistas e machistas.

Admitimos, sem dúvidas, uma possível ‘falha pedagógica’ na objetividade do texto e na incisividade combativa. Contudo, gostaríamos de dividir esta responsabilidade, com nossxs parceirxss de luta e grupos que publicizam uma postura crítica ao capitalismo, mesmo com todas suas contradições. Novas visões de mundo em relação ao gênero, etnia, classe, sexo, cidades, agricultura, animais não humanos, meio ambiente e transporte não se consolidarão com esforço “somente das feministas”. A construção de uma realidade plural passa por vários campos. Desta forma, assumir, posicionar-se e ter postura contundente contra iniciativas exploratórias que se baseiam na submissão, se faz uma mais que uma responsabilidade, é um compromisso social.

ARCA – Articulação Combativa Antisexista

Cidade para os ricos, cidade para os machos: a Hooters em Recife

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Em 2012, Recife foi considerada a 6ª cidade e Pernambuco o 5º estado mais perigoso para mulheres do Brasil. Em 2013, segundo dados da Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco, pelo menos 108 mulheres foram assassinadas em decorrência das violências sexistas. É nesta cidade que o Governo do Estado e sua Elite Coronelista empreendem um mega projeto de “requalificação e desenvolvimento urbano”, baseado no despejo de populações, internacionalização e incentivo ao consumo e na exploração sexual de mulheres.

Embalados por esse boom desenvolvimentista, Roberto Bitu e o quinteto Gustavo Satou, Thiago Figlioulo, Julio Maciel, Cristiano Falcão e Mauricio Falcão, homens brancos, heterossexuais e ricos, trazem para Recife uma unidade da Hooters, rede internacional de restaurantes famosa por explorar sexualmente o corpo e a imagens de mulheres. O espaço escolhido para sediar a franquia é o novo complexo elitista Armazém do Porto, localizado ao lado do Marco Zero e às margens da bacia do Pina. Bitu é dono da rede de franquias Bonaparte e Donatário, além de investir em casas noturnas da cidade. Já o quinteto, é responsável pela administração de outro bar, o Seu Boteco, situado também no Armazém 13.

A chegada da Hooters é mais uma prova de que o projeto de reurbanização da cidade serve principalmente aos homens ricos, aptos a transformar o corpo e imagem feminina numa mercadoria a serviço da satisfação de seus prazeres e como objeto sempre disponível para seu lazer. A ganância exploratória destes empresários também expõe o que nossa história colonial impede que esqueçamos: A gestão de várias grandes empresas por um mesma pessoa ou grupo no meio urbano, é equivalente a injusta e desleal concentração de terras e a cruel posse de escravos.

nohootersrecifeA Hooters, dispõe de garçonetes, em trajes sensuais e que, segundo seu site oficial, estão condicionadas a disputarem um estúpido hall da fama, onde certamente as consideradas mais belas lideram o pódio. Em outras palavras: esta nojenta rede industrial de restaurantes, em nome do lucro, obriga mulheres a expor seus corpos usando roupas mínimas e competindo entre si. Elas são contratadas para servir pratos-cadáveres, resultantes da exploração industrial de animais não humanos, a homens heterossexuais que frequentam este local com desejo de comer tudo que o restaurante lhes serve: carnes e mulheres. Além disso, a seleção de garçonetes impõe uma concorrência estética, na qual os padrões são ditados pelo ideal de masculinidade hegemônico.

Ainda há os que argumentam que as mulheres são livres para escolher o trabalho que quiserem. Não, as mulheres que aceitam este tipo de trabalho não são livres. Pessoas em espaços urbanos não estão livres para garantir sua subsistência alimentar. Existe um imperativo político que obriga pessoas a vender sua força de trabalho para comprar produtos produzidos por corporações, que dizem facilitar sua sobrevivência. Mulheres entram nesta lógica por que existem homens como Roberto, Gustavo, Thiago, Júlio, Cristiano e Maurício que criam uma estrutura onde o corpo delas sejam vendidos e consumidos por outros homens tão inescrupulosos quanto eles. É extremamente esperado que várias destas mulheres, sofram abusos constantes e sejam estupradas por machos, embriagados ou não, que levam em prioridade apenas, seus desejos e suas vontades. Não será surpreendente também, quando algum juiz, declarar o futuro estuprador de uma hooterslave, inocente, justificando sua decisão na leitura de que a mulher consentiu usar roupas sensuais e estar num ambiente de trabalho sexualizado (sic).

estadonoA conclusão é óbvia, esta iniciativa financiada pelo Governo do Estado, patrocina o turismo sexual e o crime de lenocínio1, ao estimular o proxenetismo2 mascarado e cria subsídios estruturais para uma possível articulação de tráfico internacional de pessoas com fins de exploração sexual. Desta forma, a estrutura do Estado, não por acaso, segue acumulando mais crimes contra a humanidade e principalmente contra as mulheres.

Abominamos este empreendimento e convocamos grupos, coletivos, organizações e demais articulações, a dizerem conosco em alto e bom som: NÃO VAI PASSAR!

Entendemos que no mundo capitalista o lucro é a chave da relação que escraviza mulheres. Ele liga e submete as pessoas ao mercado a partir de relações impessoais e desequilibradas. O sistema capitalista é uma manifestação particularmente significativa da dominação dos homens nas relações humanas. A mercadoria não é apenas uma “coisa” (embora aparente ser) ela é essencialmente uma relação social. A imposição de que um ser humano seja mercadoria sexual significa não somente sua coisificação, mas também sua inserção em relações de submissão sexista e de subordinação mercantil.

Novo Recife, Hooters, Machistas: NÃO PASSARÃO!

1 Lenocínio: é uma prática criminosa que consiste em explorar o comércio carnal alheio, sob qualquer forma ou aspecto, havendo ou não mediação direta ou intuito de lucro (cafetinagem). No Brasil é crime segundo os Artigos 227 a 230 do Código Penal. O lenocínio é atividade acessória ou parasitária da prostituição. O crime de lenocínio não pune a própria prática da prostituição, mas sim toda aquela conduta que fomenta, favorece e facilita tal prática, com intenção lucrativa ou profissionalmente. O lenocício pode ocorrer na forma do proxenetismo ou do rufianismo.

2 Proxenetismo: é o ato que consiste em obter benefícios econômicos da prostituição de outra pessoa. O proxenetismo comumente ocorre mediante a coação, tanto física quanto moral das pessoas subordinadas ao proxeneta. O proxenetismo constitui, na imensa maioria dos países, um delito para o qual são previstas penas de prisão.

arca – articulação combativa antisexista

Release: relançamento/apresentação do ‘Tesoura para Todas’

Captura de tela inteira 26102014 190237.bmpO relançamento/apresentação do livro Tesoura para Todas, aconteceu no último dia 11 de outubro. O objetivo foi apresentar os três primeiros textos e contextualizar a construção do livro para a partir disso iniciar uma roda de diálogos sobre os temas apresentados e as vivências das pessoas presentes.

Contamos com a presença de companheiras de Belo Horizonte e Brasília, que trouxeram relatos sobre abusos e agressões machistas, como o caso do 1º Queer Fest Brasília. Também se fizeram presentes algumas companheiras da Convenção Histérica, que trouxeram e distribuíram entre os presentes, uma edição, diagramada em formato livreto, da carta/denuncia contra o ex-integrante do Laboratório de Mídias Autônomas e seus cúmplices, companheiros de coletivo.

O primeiro texto apresentado foi o ‘Feminismo não é um assunto de mulheres’. O manifesto, ressalta a ineficiência dos grupos políticos em tratar coletivamente casos de machismo. Levar este debate não é uma obrigação, somente, das mulheres, mas uma iniciativa que deve ser individual, coletiva e partir de TODXS. Apesar de sabermos que são as oprimidas que levantam e problematizam estas questões inicialmente, o desenrolar de cada caso que vivenciamos, ou do qual temos notícia, denota ser falida a estratégia “vamos deixar mulheres e bixas discutirem o machismo.” Na prática, quando se joga para segundo plano estas questões, cria-se um ambiente de conforto para a manutenção dos privilégios masculinos e não se estimula a desconstrução de práticas machistas cotidianas na vida de todxs. O resultado é a reprodução pública e privada de violências e a legitimação da opressão contra as mulheres. Um papo a passo perigoso, que vimos se reproduzir cotidianamente em vários lugares e mais recentemente se repetiu na cidade.

Na exposição do segundo texto, ‘Rompendo Imaginários: Maltratadores politicamente corretos’, foi enfatizada a sofisticação das praticas machistas em aperfeiçoar contextos de violência e as estratégias de invalidar as denuncias das vítimas para assegurar aos homens a condição de agressores e perpetuar os cenários das violências.

Foi trazido que firmeza, impositividade, seriedade, frieza – no sentido não passional – e lucidez – no sentido não histérico – são elementos presentes na ideia de masculinidade e não por acaso, características que constroem confiança nas pessoas, além de serem comportamentos ensinados, praticados e cobrados por homens. Temos visto que quem não se utiliza desses artifícios, supostamente racionais e totalmente masculinos, está pronta para ser desacreditada. A insegurança evidente da vítima, a falta de conforto para relatar detalhadamente as agressões, a instabilidade emocional são comumente usados como argumentos para não levar a sério os relatos e denuncias das vítimas. A cobrança de determinadas posturas e a não preocupação em ter a cautela necessária para confortar a vítima, resulta numa repetição da violência, proteção do agressor e impossibilidade de problematização destas questões.

A pessoa que apresentou o texto ressaltou que a identidade masculina, acostumada a exercer superioridade, decidir situações e impor suas vontades, é o elemento propulsor da execução da violência sexista, fazendo com que os homens em conformidade com gênero e sexualidade imposta pelo heterocapitalismo, sejam potenciais abusadores, agressores e violentadores. Perceber a condição da violência associada à identidade masculina, acaba com o mito do agressor politicamente incorreto e com a proteção dos abusadores que não apresentam na vida pública, comportamentos brutos, grossos e estúpidos. Surpreender-se com qualquer homem, por mais sensível que ele se apresente, ao tornar explícito seu envolvimento em agressões, é uma ingenuidade e uma falta de compreensão estrutural sobre as dinâmicas construtoras da violência machista.

Por fim, ‘Por que temos sempre a sensação de que partimos do zero’, trouxe uma análise sobre a falta de prioridade em tratar os casos de violência machista nos agrupamentos políticos e na sociedade de um modo geral. E incrível como sempre que ocorre um caso de violência próximo de algumas pessoas sensíveis a compreender tais violências ou dentro de coletivos, a questão e tratada como se tais casos nunca tivessem ocorrido antes. A ideia é que sempre tem que haver, por parte das mulheres e bichas próximas aos casos e envolvidxs, paciência e disponibilidade para pedagogicamente explicar o que é violência contra as mulheres, porque isso ocorre e apontar o porque os caras reproduzem machismos no cotidiano. Um trabalho que parece não ter continuidade ou não e absorvido pelas pessoas e precisa ser constantemente refeito, dando a sensação que sempre partimos do zero quando um novo caso de violência ocorre. O que é por demais cansativo, desestimulante e opressor. As pessoas sensíveis e comprometidas de alguma forma com esse olhar, precisam estar o tempo inteiro dispostas e disponíveis a explicar, ajudar e resolver os conflitos. Percebe-se pouca disposição da sociedade e de alguns grupos políticos para tratar essas questões como prioridades e realidades palpáveis.

No debate, vários temas foram pautados, como a problematização da heterossexualidade (relação entre pessoas de sexos opostos) como manobra para consolidação dos papeis de gênero e submissão feminina, onde o homem da relação, em certa medida, sempre oprime a companheira. A dependência e a dificuldade de rompimento com agressores e cúmplices graças a uma falta de confiança feminina em construir e protagonizar espaços e fazeres políticos que priorizem ambientes de vivência seguros no presente e não as possíveis contribuições que os abusadores podem dar em organizações futuras. A afetividade como aprisionamento e silenciamento de comportamentos violentos e a necessidade de construir uma autoestima em corpos femininos que desperte um senso crítico e localize as consequências dos sentimentos cultivados aos violentadores e seus cúmplices.

O quanto é complexo e doloroso para uma companheira perceber as praticas machistas de seu companheiro e questioná-las, sabendo que dificilmente ele compreenderá realmente a sua condição privilegiada no mundo. Como lidar com isso? Esse foi o ápice da nossa discussão e nos fez perceber que agimos perante a esses problemas de diferentes formas e que o importante é respeitarmos os nossos limites e não darmos passos maiores que as nossas pernas.

Foi a primeira atividade promovida pela ARCA para discussão e trocas de práticas antisexistas em uma perspectiva libertária. Tem ficado cada dia mais clara a importância de promover estes espaços de fortalecimento, para que não sejamos pegas de surpresa e fiquemos perdidas ao sabermos de um caso de agressão e principalmente para criarmos cada vez mais espaços de acolhimento, empoderamento, questionamento e construção coletiva entre as mulheres e bichas. Percebemos que muito do que nos fragiliza é estarmos sós e não encontrarmos guarida e apoio quando nos deparamos com as violências cotidianas.

Construir sororidade, criar estratégias de combate à opressão da cultura machista arraigada em nossas práticas cotidianas e estimular o acolhimento entre as mulheres, bichas e afeminadas é o nosso maior compromisso pessoal, coletivo e politico.

Masculinidade e Violência: uma cultura predatória

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No dia 23 de outubro participamos do debate sobre Masculinidade e Violência apresentado por Daniel Kirjner e promovido pela pela SVB Recife, com uma banquinha de publicações antisexistas e feministas,

Daniel, a partir de uma pesquisa sobre comerciais de tv, trouxe reflexões de como a cultura do estupro, o desejo machulento heterossexista, a objetificação do feminino e o enaltecimento da cultura predatória do macho, estão presentes na construção cultural que prega a ingestão de animais e seus derivados, sendo portanto uma das múltiplas faces da dominação masculina, condição estruturante para a emergência do patriarcado.

A partir dos vídeos e imagens, é notório reconhecer que a  lógica que rege o consumo alimentar de carnes é completamente análoga a lógica heterossexista. Comerciais estadunidensses e brasileiros de rede de fast-foods e da indústria alimentícia apresentam de forma massiva, um conteúdo sexual implícito que sugere o corpo padronizado de mulheres e produtos como hamburguers, ovos, carnes, leites e salsichas, prontos para serem devorados por homens. Considerando isto, Daniel então propõe que a luta antisexista e feminista deve-se aliar com a luta pela libertação animal, pois ambas são lutas contra o patriarcado.

Além da ARCA, o evento contou com a participação do Ativeg Recife, Coletivo Feminista Diadorim, Coletivo Marcha das Vadias (Recife), Dhuzati Coletiva Vegetariana Artesanal, GEMA/UFPE – Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidades, Juju Vegan, Liberte e Macacos Me Mordam.

No fim sorteamos uma edição do livro Tesoura para Todas.

Apresentação do Tesoura para Todas

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Tesoura para Todas é uma ferramenta coletiva, uma arma lançada para a reflexão, o debate e a ação contra as agressões sexistas.

Diante de uma realidade onde as práticas sexistas são imensamente naturalizadas e reproduzidas dentro de espaços, grupos e por indivíduos que impressionantemente visam combater a cultura sexista, o encorajamento de mulheres, dissidentes sexuais e de gênero, bem como uma análise radical do patriarcado, é uma necessidade urgente.

Esta atividade visa apresentar o livro lançado recentemente pela Editora Deriva e realizar um debate a partir da apresentação de três textos que ilustram bem o contexto político local. Eles nos ajudarão a entender como algumas resistências antisexistas constroem suas combatividades.

A atividade acontecerá dia 11/10 é exclusiva para mulheres e dissidentes sexuais. Devido ao objetivo do encontro a presença de homens cis1 não são pertinentes, por isso desencorajamos qualquer tipo de insistência por parte destas pessoas que detêm amplos privilégios sociais apenas por serem homens, alinhados a masculinidade e heterossexuais.

informações sobre local e mais detalhes informados apenas por email!

versão do livro em pdf: https://we.riseup.net/assets/121348/tesouras%20para%20todas.pdf

Notas

1 – O prefixo latino cis signifca “ao lado de” ou “no mesmo lado de”, foi concebido pelo transfeminismo como estratégia para enfatizar que a sexualidade e o gênero são construções políticas. Deste modo, os termos cisgênero e cissexual refletem a legitimação e concordância de indivídues à identidade de género imposta a partir sua genitália.

A insegurança que ronda os corpos femininos: Um pedido de socorro!

Escrava-AnastáciaEm um mundo tomado por relações de poder desiguais, a luta das que sofrem violência está a todo tempo resistindo ao aniquilamento. Nossa resiliência é infinita e, por não sermos frágeis, nosso alcance não tem limites. Estes escritos são um pedido de socorro, numa tentativa de compartilhar, construir segurança e solicitar solidariedade das pessoas que priorizam o combate ao sexismo em suas construções políticas emancipadoras.

 

O ESTOPIM E A CONIVÊNCIA

Há cerca de um mês foi publicada uma denúncia contra as agressões cometidas por Erick Marcos Alves Uchôa, também conhecido como Soulfly, e contra seus companheiros do Laboratório de Mídias Autônomas, o La.M.A.

A história começou a se tornar pública quando algumas companheiras tomaram conhecimento de agressões sofridas pela então companheira de Soulfly. Vidros estavam quebrados na casa onde moravam, mas a justificativa era um suposto transtorno mental da mulher que, por ter quebrado tudo em um surto, seria doente e precisava ser “controlada.” Fatos como esse, sabidos por alguns integrantes do LA.M.A, foram silenciados e não problematizados. Mais tarde, quando uma pessoa trans declaradamente combativa e anti-sexista ficou sabendo das agressões por relatos da vítima, ela reiterou o alerta ao coletivo. Mas os integrantes do LA.M.A optaram por se solidarizar com o agressor, deslegitimar o alerta e não dar a devida atenção à história. Entenderam a denúncia como “fofoca” ou “boato” e, dessa forma, colaboraram com o machismo incontestável e tornaram invisível o discurso da trans. Chegaram a, inclusive, negar apoio e fazer o boicote a uma atividade organizada por ela. Um misto de machismo e transfobia que só deu mais tempo e força para Soulfly e prolongou uma situação de conforto para o agressor e completo desconforto para a então companheira, grávida dele, e todas aquelas solidárias a ela.

O tempo mostrou o óbvio: o ciclo da violência se perpetuou e, a falta de atenção coletiva ao fato, colaborou para mais situações de opressão encontrarem lugar para acontecer. No entanto, desta vez não se deu no espaço privado, no qual as marcas podem ser escondidas atrás das cortinas da vida doméstica, da briga de marido e mulher. Quando a ex-companheira de soulfly expressou sua revolta na frente de todos, em pleno acampamento do Ocupe Estelita, a ficha dos machos, antes incapazes de acreditar nos denunciantes, caiu.

A partir de então, começou o processo de confirmação dos “boatos”. Apenas depois de ter-se presenciado violência em espaço público da militância a história foi levada a sério. Típico: na lógica da sociedade patriarcal, o macho está certo até que se prove o contrário. Para nós, lutadoras diárias que pretendem um mundo de equidade, a versão da vítima sempre é a primeira em que acreditaremos, pois entendemos como essencial a inversão desta lógica. Da lógica opressora. Da mesma ordem de opressão imposta pelo Estado e pelo Capitalismo.

Quem diz querer uma sociedade livre de opressões tem de se colocar sensível a elas quando aparecem: Um burguês está no lugar de opressor de um pobre. Um macho está no lugar de opressor de afeminadas.

Não se pode usar dois pesos e duas medidas, como fez o LA.M.A.

Foram cúmplices. Por opção.

 

A ARTICULAÇÃO

Como muito bem pontuado pela carta de denúncia, Soulfly abusou da confiança que tinha no coletivo. Aproveitou o apoio de seus companheiros machos, até então completamente confiantes na versão do agressor. Ele se sentiu confortável para continuar cometendo violências sem prever nenhum tipo de consequência negativa. A cômoda inércia de seu coletivo político o colocou no topo, pois havia uma rede de solidariedade A ELE. AO MACHO.

No entanto, Soulfly subestimou a inteligência e capacidade de articulação feminina. Ele não esperava que uma rede de solidariedade combativa fosse ativada, que provas fossem reunidas, que testemunhas fossem acionadas, que suas mentiras fossem descobertas e que as vítimas silenciadas e ameaçadas por ele se rebelassem. Não estranhamente, outros casos vieram à tona e outras ex-companheiras fizeram coro à denúncia. Estava-se indubitavelmente lidando com um violentador de mulheres.

Depois da explosão de denúncias, na tentativa de encaminhar uma solução, o coletivo o afastou das atividades. As afeminadas, articuladas em apoio total à vítima, conseguiram, juntas, criar o incômodo necessário para o questionamento de uma posição de privilégio. Mas este primeiro passo ainda não é/foi suficiente.

 

AS CONSEQUÊNCIAS

Soufly caiu, mas está se rearrachamticulando para voltar, para se vingar. Ele se esconde atrás de uma imagem frágil, calma e dócil. Recentemente, o agressor, escreveu uma nota na qual diz não se reconhecer nas denúncias e solicita ajuda dos amigos e companheiros que um dia compartilharam momentos em espaços políticos. Soulfly diz querer entender o seu machismo. De forma eufêmica, diz que os relatos da vítima sobre as violências que ela sofreu não são suficientes para ele entender seu machismo, por isso ele pede a pessoas que ele legitima que falem sobre suas atitudes machistas.

Soufly, que afirmava a sua vítima que ela nada podia fazer, porque ela não era ninguém e ninguém iria acreditar nela, está perseguindo pessoas e entrando em contato com ela sob o argumento de que ele precisa entender o que está acontecendo. Com uma dessas pessoas, que confirmou seu machismo, ele alterou as frases e enviou a alguns de seus (ex?)companheiros como uma conversa na internet que continha um pedido de desculpas e um reconhecimento de acusações injustas. Soufly está manipulando e alterando conversas para obter provas e se proteger, isto é muito grave.

Em um escrito de desabafo, procurando rearticulação e negando as acusações, Soulfy diz que a única coisa que tira da situação é a raiva, um elemento positivo para se levantar. Eufemicamente, isto é uma propaganda de vingança. Neste mesmo relato o agressor se diz injustiçado, pois tentou ajudar a vítima e agora está sendo chamado de machista, diz que as denuncias proferidas não tem substância ou fundamento, sendo, portanto, deslumbres vagos provenientes de mulheres histéricas e ciumentas. O agressor crê que a vítima está tentando ficar bem passando por cima dele, por cima de quem bateu, empurrou, torturou, cuspiu na cara, ameaçou, apedrejou, beliscou, deslegitimou, caluniou e difamou mulheres e pessoas trans.

Em síntese, Soulfly está dizendo que a culpada é a vítima, sugere que as acusações são mentirosas, se sente traído, usa de um discurso manipulativo para obter piedade das pessoas e coloca a vítima como ingrata. Muitas pessoas ainda acreditam nos seus relatos, ignoram os boletins de ocorrência, as medidas protetivas, jogam as testemunhas presenciais de sua violência no lixo, anulam as vozes violentadas de suas outras ex-namoradas e descredibilizam todas as pessoas que foram injuriadas e difamadas por ele. Esta realidade é apavorante. A estas pessoas, lembramos que é entre namorados, irmãos, pais e amigos que estão os agressores de mulheres. E não se pode colocar os laços afetivos acima destas ameaças. É aí que reside a colaboração com o agressor e com a continuidade da violência. Acreditar no agressor é estar do lado hegemônico, de mãos dadas com o patriarcado.

O ALERTA

Devido a esta realidade, tão dura e este contexto tão difícil, diante de uma possibilidade real de rearticulação e empoderamento do agressor, diante de um discurso hipócrita e mentiroso estar alinhando pessoas para solidarizar-se com um machista extremamente perigoso e violento, pedimos solidariedade e apoio à todas as pessoas, coletivos, agremiações, grupos e associações que levam o combate antisexista como pauta prioritária em suas políticas anticapitalistas, para que mais um macho agressor não vire o jogo e se encontre apto a aperfeiçoar suas violências, pondo em risco corpos femininos.

Os desdobramentos pós denúncia trazem uma realidade: não é possível mais aliança. A solidariedade em casos como este não se dá apenas a partir da expulsão ou afastamento do macho agressor. Não se trata de prestar contas ao tribunal das afeminadas. Homens realmente comprometidos com a desconstrução do machismo precisam se colocar no desconforto de rever suas ações cotidianas para, de alguma forma, sentirem-se organicamente solidários. No caso do LA.M.A., isto não aconteceu.

Homens do Lama e os outros tantos cúmplices de Soulfly mostram porque o agressor proferiu violências à sua ex-companheira abaixo de tantos olhos durante tanto tempo. Torna-se explícita a falta de vontade em priorizar e se posicionar sobre as questões que não atingem os Homens, que os colocam em posição de questionamento e ameaçam seus postos de poder tão bem protegidos pela solidariedade entre MACHOS. Sabemos que todos eles não foram cúmplices a toa, não foram cúmplices apenas por inércia, são cúmplices porque se assemelham com agressor, porque também cometem violências, porque ignorar a denúncia, em momento posterior, foi uma estratégia de proteção masculina e de deslegitimação de corpos dissidentes da heterossexualidade compulsória. E este é o grande nó deste debate: a automática solidariedade entre homens não está no nível da consciência. Os Homens não necessariamente fizeram uma reunião para escolher acreditar e ficar ao lado de Soulfly. Neste e em outros casos, vemos o movimento automático de aglutinação dos afins, resultante das relações sociais construídas desde a família e legitimadas pela construção simbólica dos papéis de gênero no Capitalismo e aprisionamento de corpos promovido pelo Estado.

Mas, e as mulheres? Elas não fizeram nada! Elas não foram machistas também? Não. E este é o argumento mais rasteiro utilizado para desacreditar quem denuncia e se manter inquestionável no pólo de poder. As mulheres não são colaboradoras do machismo, são vítimas. O machismo reproduzido pelas mulheres, não as coloca em patamar de privilégio, pelo contrário, coloca-as em locais de submissão, servidão e obediência à figura masculina e este local é o palco das mais diversas violências. É impressionante ver, no caso do LA.M.A., homens se dizendo abertos para reflexões e questionamentos sexistas mas, ao mesmo tempo, usando de um argumento tão covarde. Esta hipocrisia é, na realidade, uma captura e uma apropriação dos discursos de questionamento para o refino e aperfeiçoamento das opressões sexistas, algo realmente abominável e inadmissível. Para os amantes da teoria: uma afirmação deste tipo evidencia a falta de interesse em se debruçar sobre a vasta literatura disponível, das mais diversas correntes do feminismo.

Ora, não é no campo do discurso que qualquer homem macho mostrará sua disposição em combater os machismos seus e que acontecem em seu entorno. É na prática, na ação cotidiana, que ficará ou não evidente a tentativa de se deslocar do privilégio. Não basta usar uma camisa roxa próximo ao 8 de maio. Não basta dizer que você reconhece a importância dos espaços construídos por afeminadas. Não basta lançar uma cartilha. Não basta segurar uma bandeira. Nós sentimos cotidianamente a opressão de existir. Machos precisam reconhecer que não sentem. Qualquer tipo de raiva destes argumentos é da mesma monta da raiva que os donos de empresas de ônibus têm quando seus funcionários entram em greve ou quando o povo vai à rua protestar contra o aumento. É a raiva do opressor em relação ao oprimido. Neste caso, machos e afeminadas.

Enquanto homens podem estar se questionando sobre como fazer isso, sobre porque isto é importante, sobre como isto pode demorar; estamos preocupadas em apoiar todas as companheiras vítimas. Não temos tempo para a reflexão da Ágora Ateniense. Ameaças não se esquecem, a dor de um murro não some na mesma velocidade dos hematomas. A perseguição nunca parou.

Fica aqui o nosso alerta: os espaços políticos libertários em Recife não são seguros para mulheres, bichas afeminadas e demais não homens. A falta de reflexão e acumulo sobre as questões de gênero e sexismo tornou-se um grande tapete que acoberta comportamentos machistas cotidianos, lesbofobia, homofobia e transfobia. Na nossa perspectiva, se almejamos uma sociedade livre, temos de tentar construí-la em todos os espaços que ocupamos. É a partir destes espaços políticos que novas relações podem se irradiar para outras esferas sociais. Quando este compromisso não é sério, violências como a cometida por Soulfly deixam as marcas da agressão na vítima e evidenciam da pior forma as falhas de qualquer projeto político que desconsidera a opressão de gênero como estruturante, para além do discurso.

No início de 2014 Sandra Fernandes, militante do PSTU, e seu filho Icauã foram brutalmente assassinados por seu ex-companheiro, sob os olhos daqueles que viam a virilidade e masculinidade do criminoso como algo normal, sob o consenso dos que foram convencidos pelos comportamentos tranquilos e pacíficos que o agressor apresentavam publicamente. Esses viris sórdidos com uma face aparente de “bons rapazes” são, inevitavelmente, os mais perigosos. A ARCA, articulação simpática ao anarquismo, entende que o Caso Soulfly tem potencial para um desfecho tão semelhante e dolorido quanto a triste história de Sandra. Fazer com que esta história não se repita é responsabilidade daqueles que assumem um compromisso na construção de realidades anticapitalistas e livres, porque o capitalismo é o filho pródigo do patriarcado e a cabeça dos reis equivale à virilidade dos homens.

Somos todas Sandra Fernandes
Somos todas Paula Dahmer
Todo repúdio à Erick Soulfly
Machistas: NÃO PASSARÃO.

ARCA – ARTICULAÇÃO COMBATIVA ANTISEXISTA